18 de agosto de 2009
A Equitação e seu fator terapêutico
O século XX trouxe pelo menos uma novidade ligada à equitação: a descoberta da sua capacidade terapêutica para tratamento de alterações e deficiências físicas, psíquicas e sociais, auxiliar no tratamento de hiper-atividade, situações de stress e traumas, pacientes com lesões no sistema nervoso, como recurso pedagógico nas alterações da atenção, concentração e disciplina, e sobretudo para portadores de síndromes como autismo, Down, Rosenfeld e outras. A descoberta de que o cavalo transfere energia e estimula a coordenação motora para o deficiente físico teve a utilidade de abrir uma nova fronteira de estudos que envolvem a psicologia da equitação, a fisiologia da equitação, a neurofisiologia da equitação e a comunicação interespécies da equitação, disciplinas que até então nem nomes tinham. Mas o que devemos investigar agora é como a equitação auxilia os eficientes, isto é, as pessoas normais desgastadas pelo stress urbano. É interessante observar que todos os métodos modernos de educação e pedagogia infantil também surgiram com a intenção de ajudar crianças deficientes, a exemplo do método Piaget e Montessori. O fato é que os cientistas ainda não se deram conta da importância do cavalo e da equitação como ferramenta educacional, terapêutica e esportiva. A equitação envolve um alto grau de disciplina mental e corporal do cavaleiro, exige uma grande mudança comportamental e uma capacidade de discernimento ambiental muito além da experimentada pelos outros atletas. A equitação também exige uma mudança comportamental do cavalo, para que os parceiros possam formar uma só unidade biológica, a base da maestria eqüestre. O ginasta olímpico eleva à perfeição a maestria dos movimentos humanos, e o cavaleiro olímpico aprendeu a incorporar a motricidade eqüina e a administrar forças e a velocidades muito além das programadas pela genética humana. Podemos dizer que o cavaleiro é o único atleta capaz de ultrapassar os limites da fisiologia humana. Um jogador de futebol tem como elementos para o seu sucesso a sua maestria com a bola, a sua preparação atlética, a capacidade de improvisar jogadas, a capacidade de identificar o momento do jogo individual, com as jogadas que envolvem outro membro da equipe, num contexto de alta carga emocional. O cavaleiro, como um general em campanha, tem à sua disposição os vastos recursos fisiológicos do cavalo, que ele precisa conhecer minuciosamente e orquestrar como se a ação viesse do seu próprio corpo. Nestas circunstâncias todos os sentidos humanos estão em alerta total, conectados para reconhecer o inesperado, tomar decisões na velocidade das sinapses, e encontrar soluções instantâneas para problemas que surgem em velocidades maiores do que a velocidade genética do Homem. Os neurônios estarão funcionando em altíssima freqüência, testando os limites humanos, além dos seus limites biológicos originais. Para atingir um alto grau de excelência a mente do cavaleiro precisa ter os seus neurônios conectados em novas redes, muito mais complexas do que qualquer outra atividade humana. Na conquista do México os espanhóis não venceram a batalha de Tenochitilán somente porque estavam montados a cavalo. Os conquistadores venceram porque as suas mentes haviam sido conectados para reconhecer o inesperado, tomar decisões e encontrar soluções instantâneas para os problemas que surgiam no caos da batalha numa velocidade maior do que a velocidade dos Aztecas. Em síntese, a mente eqüestre dos cavaleiros espanhóis encontrava soluções mais rápidas para reverter uma situação de perigo do que a mente pedestre da infantaria de Montezuma. Os Astecas, apesar do seu maior número e da sua indiscutível valentia, ficaram indefesos frente à pequena cavalaria de Cortés, que lutava num ritmo superior e encontrando soluções bélicas mais rápidas do que a infantaria Asteca. Esta superioridade neurológica também fez dos cavaleiros da antiguidade os lideres naturais dos seus povos. Nomes como Mo-Tun, o chefe que unificou os Hunos no 2o século a.C., Átila que assolou a Europa no 5o século d.C, e Genghis Khan que em 21 anos conquistou mais terras do que todos os reis e imperadores romanos juntos, atestam para a superior capacidade intelectual do cavaleiro em comparação aos seus adversários. Até a Renascença todos os reis, imperadores, emires e Khans eram bons cavaleiros e a tradição eqüestre como símbolo de liderança foi mantido pelos exércitos ocidentais até a segunda guerra mundial, como atesta os uniformes dos oficiais ingleses, americanos e alemães – todos modelos de cavalaria. Todos os fatores relacionados nesta palestra concorrem para comprovar um fenômeno inequívoco: o cavalo é uma ferramenta educacional sem par. Por milênios formou todos os principais líderes das civilizações avançadas e hoje a ciência começa a vislumbrar a função da equitação para o futuro. Para as crianças na escola, aquelas que tem uma inteligência biológica mais evoluída poderão desenvolver as suas aptidões naturais através da equitação. Na Inglaterra, executivos de grandes empresas fazem treinamento a cavalo para acelerarem o seu tempo de resposta, assegurar uma visão mais clara dos objetivos a alcançar, saber influenciar, inspirar, direcionar e motivar pessoas na consecução de objetivos comuns, estabelecer laços emocionais e afetivos com seus liderados, aprenderem a lidar com forças e velocidades maiores do que a humana, e dominar as suas emoções negativas. Afinal o epigrama “Planejar globalmente e atuar localmente” é uma expressão que surgiu com a cavalaria. E estas considerações nos levam ao cerne desta palestra: como a equitação e a liderança estão antropologicamente relacionadas.
(Palestra de Bjarke Rink para os alunos doCurso de Instrutor de Equitação/2004 na Escola de Equitação do Exército em 16/03/2004 )