2 de outubro de 2013

Em Busca da Terceira Dimensão da Vida


A observação do cavalo, a especulação sobre a sua natureza e a exploração das suas potencialidades, estão presentes em sucessivas civilizações desde tempos imemoriais. A habilidade do Homem em dominar e usar a velocidade do cavalo tem influenciado decisivamente o curso da história. Como a vida moderna e suas atividades são cada vez mais influenciadas pela ciência, é imperativo o estudo da neurofisiologia da equitação para se conhecer todos os acertos e erros que envolveram o desenvolvimento da arte eqüestre. E com a ajuda dos avanços científicos do presente pavimentaremos o caminho para que a equitação possa ser exercida em toda a sua plenitude, como sabemos que já foi num distante passado na Ásia Central. Leia o Artigo em "Mais Informações" ...


É fato que na pré-história o relacionamento do cavalo e do homem era apenas gastronômico - com os dois almoçando juntos, este comendo aquele. No início da Idade Neolítica, há 6 mil anos, o uso da força do cavalo e da carroça foram descobertas de grande relevância para a humanidade, com aquele puxando esta. Na primeira parte deste livro, revimos um pouco da história militar do cavalo. Concluímos que seria natural chegar o dia em que a ciência nos possibilitasse fazer melhor uso do cavalo - corpo e mente - descobrindo uma verdade surpreendente: nós temos muito mais em comum com o cavalo do que pensávamos. E, mais: nós não somos tão racionais como supúnhamos e nem o cavalo tão irracional como julgávamos. Vejamos então.

René Descartes (1) nasceu num mundo que começava a viver o impacto da revolução mecânica. No seu tempo, relógios, bonecos automáticos e máquinas de todo tipo surgiram para o deslumbramento geral, e ele, Descartes, não pestanejou em escrever no seu livro Discurso do Método, editado em 1697, que "os animais são meras máquinas desprovidas de alma e mente" - uma tese que consolidou a Psicologia Mecanicista que explica todo o comportamento animal mecanicamente. Mas a ciência, que começou a avançar com muita velocidade no século de Baucher, progrediu ainda mais rapidamente no século de Decarpentry. Tanto trabalho forneceu, naturalmente, uma vasta quantidade de novas informações científicas que conduziram a alguns conceitos complexos do mundo natural - tal como a revolução nas ciências físicas provocada pela teoria da relatividade e quântica de Einstein. Houve também o prodigioso desenvolvimento que se realizou na biologia, cobrindo a fisiologia humana e animal, a hereditariedade e a evolução das espécies. Estes avanços também possibilitaram a nova disciplina da biologia molecular, campo em que a física, a química e a teoria genética se uniram de um modo que é extremamente importante para o futuro... de quem? Do Homo-caballus, é claro.

Entretanto, ainda nos primeiros anos do século 20, ressurgiu fortemente a crença de que todos os fenômenos da vida podiam ser reduzidos às leis básicas da química e da física! Jacques Loeb, alemão da Prússia, foi um líder dessa nova escola mecanicista, uma extensão do mecanicismo cartesiano. Loeb anunciou enfaticamente os seus pontos de vista em um trabalho intitulado A Concepção Mecanicista da Vida. Esta teoria foi amplamente aceita durante a década de 1920. Dez anos depois, o ponto de vista de Loeb chocou-se com a oposição de alguns biólogos que procuravam encontrar relações no comportamento e na organização física das diferentes partes de um organismo. Para eles, não era suficiente estudar apenas partes isoladas de um corpo. Os sistemas vivos não são 'simples' agrupamentos de moléculas, mas sistemas com um comportamento altamente organizado, diziam. Com este raciocínio foi possível obter maior precisão com as experimentações na fisiologia e, mais particularmente, com os estudos da condução nervosa e da organização do sistema nervoso. Estes dois pontos de vista - o mecanicista e o integrado, ou sistêmico - são encontrados nos estudos do sistema nervoso dos seres vivos. Aqueles cientistas que adotaram uma concepção mecanicista, ou materialista, estavam inclinados a reduzir tudo a reações físicas básicas. A outra concepção adotada por pesquisadores ingleses e franceses, na década de 50, encarava o sistema nervoso como um todo. Isso levou à percepção de que havia uma diferença entre os nervos que se dirigem à coluna vertebral do animal e os que dela partem. O primeiro indício do circuito neuromotor na ciência. 

A escola Holística (2) fez um estudo interessante do sistema reflexo (responsável por ações como o impulso involuntário do joelho quando golpeado abaixo da rótula). 'Notáveis abordagens do problema foram feitas pelo russo Ivan Pavlov. Conhecido por seus estudos da ação reflexa, Pavlov começou a se interessar por ela ao notar que, quando realizava a rotina de alimentação dos cães de laboratório, os animais começam a salivar antes da apresentação da comida. Pesquisas cuidadosas acabaram levando Pavlov a concluir, não somente que um processo de aprendizado estava se realizando mas também que essa aprendizagem era feita pela composição de reflexos em cadeia: o uso repetido de um estímulo particular cria uma resposta - um reflexo condicionado - que o pesquisador poderia acionar à vontade'. (Você, admirador de cavalos ou equitador moderno está naturalmente começando a vislumbrar a conseqüência disso tudo para a equitação de alta performance). Com este trabalho, Pavlov descobriu a importante relação entre o comportamento e a fisiologia do sistema nervoso. Um conceito holístico e não mecanicista da ciência. 

Sherrington, o fisiologista inglês, publicou em 1906 (um ano antes da morte de Caprilli) o livro Ação Integrada do Sistema Nervoso, que incorpora a sua abalizada opinião de que existem três níveis em que se deveria estudar o comportamento animal: o nível físico-químico, que dava ao animal aspecto de 'máquina', (que os equitadores já conhecem); o nível da psique, no qual o processo neurológico se une para formar uma criatura pensante e perceptiva e, em terceiro lugar, um nível de relacionamento mente-corpo. Um raciocínio de pleno acordo com a filosofia de equitação que estava sendo introduzida, na época, por Federico Caprilli.

Chegamos, finalmente, ao ponto crucial na história da equitação: até o século 20, o cavaleiro ocidental, no seu relacionamento com o cavalo, só conseguiu entender e dominar o nível físico-químico - que dá ao animal o aspecto de máquina. O nível da psique, no qual o processo neurológico se une para formar a criatura pensante, sensitiva e perceptiva, e o nível do relacionamento mente-corpo, que subordina todas as funções vitais ao cérebro e ao sistema nervoso, eram desconhecidos. Mas foi nesta mesma época, na década de 1930, que a sociedade ocidental começou a se desinteressar pelo cavalo e ninguém propôs rever as nossas práticas eqüestres à luz da ciência moderna. 

Agora, com o grande renascimento eqüestre no mundo, é a partir deste ponto que devemos retomar os estudos do cavalo, para então dar um salto espetacular na eficiência da nossa equitação. No futuro, todo cavaleiro evoluído saberá reconhecer a parte mecânica da equitação, e também o aspecto psicológico e neurofisiológico. O bom cavaleiro saberá distinguir qual a sua própria função na equitação e o que compete somente ao cavalo. Isto, além de saber como desenvolver uma atitude mental positiva do cavalo com relação ao adestramento e o treinamento esportivo. Estes são os elos que faltavam para levar mais cavaleiros a uma equitação de alta performance.
 

O que Caprilli sentiu instintivamente, e tentou nos mostrar, é que o cavalo sendo dono de uma constituição neurológica desenvolvida, é perfeitamente capaz de tomar certas decisões nos percursos hípicos, sobre equilíbrio e velocidade, por exemplo. Portanto precisava ser treinado, não como um 'objeto irracional' (até porque objetos irracionais não são passíveis de ser treinados), mas como um parceiro esportivo, um indivíduo inteligente, sensitivo e participante do jogo eqüestre. E, agora, para entendermos a fisiologia da equitação, a ciência moderna já tem muito a contribuir, basta a gente procurar.

(1) René Descartes (1596-1661): matemático e filósofo racional, nasceu em La Haye na França. Católico, formado num Colégio Jesuíta, ele procurou reformar o conhecimento humano numa nova base científica. Na sua mais famosa obra Meditações da Primeira Filosofia ele parte da premissa que se pode duvidar de todas as experiências sentidas mas não da nossa existência como um ser pensante: 'penso, portanto existo'. Como, na época, não se atribuía nenhum pensamento aos animais estes eram considerados apenas 'máquinas'.
(2) Holismo é a visão do corpo total da ciência, o oposto de uma visão fragmentada dos fenômenos naturais.

Fonte: Escola Desempenho de EquitaçãoA Escola Desempenho de Equitação é completa: inicia crianças e adultos, e aperfeiçoa tanto iniciantes quanto graduados e profissionais de qualquer modalidade eqüestre.Seu currículo de ensino é amplo, progressivo e de fundamento biológico. Nas primeiras aulas de sensibilização o aluno percebe como os seus sentidos se ajustam com os sentidos do cavalo e, a partir daí, o aprendizado se torna mais acelerado. O reconhecimento da equitação como um processo vivo, regido pelas leis da biologia, é o melhor e mais rápido caminho para pessoas inteligentes desenvolverem uma equitação de qualidade e sentirem mais prazer e segurança com seus cavalos, tanto nos esportes quanto nas cavalgadas de lazer.