18 de agosto de 2009

Xenofonte , Grisone e Pluvinel


Xenofonte : o primeiro grande mestre
Nascido em 430 AC , entre Atenas e Maratona e perto de Erkhia, Xenofonte , filho de Gryllos e Diodora, foi considerado o primeiro escritor da arte eqüestre, cuja disciplina fora expressada de acordo com o pensamento clássico da época, princípios nos quais seguimos até hoje.
Montado em um cavalo desde jovem, Xenofonte pertenceu à cavalaria ateniense. Ele fez parte dos dois últimos anos da guerra do Peloponeso.
A grande experiência de sua vida deu-se em 401 a.C., quando entrou numa tropa de mercenários gregos que pretendia ajudar Ciro o Jovem, príncipe persa, a depor seu irmão Artaxerxes II. Morto Ciro na batalha de Cunaxa, os gregos ficaram perdidos nas montanhas da Armênia até que Xenofonte assumiu o comando e, com enorme dificuldade, conduziu-os a Trapezunte, no mar Negro. O episódio, conhecido como a retirada dos dez mil, está narrado em Anábasis (Volta), a mais antiga e uma das mais notáveis reportagens de guerra já escritas.
Xenofonte pôs-se depois a serviço de Agesilau II de Esparta. A seu lado, combateu inclusive contra Atenas e acabou por se recolher a uma fazenda em Cilonte, onde viveu com sua esposa e dois filhos cerca de dezesseis anos. Juntamente com seus filhos e amigos , praticaram equitação e aproveitou para criar suas principais teorias eqüestres , dentre outras famosas , como Helênicas, Ciropédia, Agesilau ....
Ele foi obrigado a deixar Cilonte quando se deu a vitória de Leuctres (-371) sobre Epaminondas causando perigo à hegemonia de Esparta. Xenofonte morreu em terras de Erkhia- Atenas em 355 ac.
O trabalho escrito de Xenofonte é considerável. Do ponto de vista eqüestre, seu trabalho notável impressionou até Sócrates, que chegou a receber instruções à cavalo.
A arte eqüestre de Xenofonte foi traduzida pela primeira vez em francês em 1613 por Pyramus de Candolle. Armand Charpentier em uma conferência da noite do estribo em 1934, disse que os ensinamentos de Xenofonte são tão perfeitos quanto distintos e mesmo depois de tantos séculos, não temos nada para modificá-los. O "cavalo de parada" descrita por ele ressurgiu com Cazeau de Nestier, e que o abrandamento do pescoço pelo descontração do maxilar (Hippikès Perecido, capítulo x) seria mais tarde descrito por Baucher .

Federico Grisone : o fundador da Equitação Acadêmica


Os princípios do manege, e da moderna equitação cross-country, foram sistematizados e transformados em livro no século 16, por Federico Grisone, nobre italiano, fundador de uma das primeiras escolas de equitação na Europa. Em conseqüência da conquista de Nápoles pelo Império Bizantino havia 1300 anos, a Escola Napolitana de Equitação foi fundamentada em técnicas eqüestres bizantinas que, como as gregas e as romanas, incluíam a reunião do cavalo e já eram compostas de figuras de adestramento como o piaffer e o passage. Estes movimentos dos altos ares, já eram realizados com o auxílio de freios equipados com barbelas. "Grisone e os demais mestres italianos devem ter ficado fascinados ao descobrir que suas idéias sobre a reunião do cavalo já tinham sido formuladas por Xenofonte, 1800 anos antes", escreve Charles Chenevix Trench, em seu livro, Uma História da Equitação. "Na Renascença italiana a equitação-arte foi baseada em princípios de reunião tão grotescos que o cavalo corria perigo de perder toda a sua capacidade de movimento", critica Trench. A Escola Napolitana de Equitação se tornou o 'point' da cultura eqüestre européia e era freqüentada por VIP's egressos de todos os principais centros da Europa: França, Alemanha, Espanha e até da Inglaterra (1). Os métodos de Federico Grisone e do seu sucessor Giambatista Pignatelli, publicados no livro Gli Ordini di Cavalcare — O Sistema de Cavalgar — se espalharam rapidamente pela Europa Renascentista. Mas, a primeira coisa a chamar a atenção nos seus métodos era a ênfase em quebrar a resistência do cavalo e 'recompensar' a sua submissão com o cessar dos castigos, ao invés de ganhar a sua confiança com paciência e dedicação, como fora o princípio de Xenofonte. Segundo Grisone, o método indicado para iniciar um jovem cavalo começava com um trabalho na guia onde o animal era chicoteado em círculos até que 'o diabo da desobediência fosse exorcizado do seu corpo'. As embocaduras eram idealizadas para dar ao cavaleiro o poder de provocar dor no cavalo. Voz, chicote, freios e esporas eram usados para "corrigir" os erros e deficiências do animal. Era corrente se dizer que você 'ajuda' o cavalo para que ele não erre, e corrige-o nos erros que já cometeu. É esta a etimologia da palavra 'ajuda' que, na minha opinião, é um palavra que deveria ser abolida da linguagem eqüestre contemporânea. Na concepção da moderna equitação, baseada no conhecimento neurofisiológico da equitação, o cavaleiro não 'ajuda' o cavalo, pois ele é parte do cavalo. Durante o adestramento são ambos professor e aluno: o cavaleiro aprende a administrar o elenco de movimentos naturais do cavalo e este aprende a reconhecer o código de comandos do cavaleiro. Mas, curiosamente, Grisone alertava os alunos sobre as embocaduras cruéis que poderiam estragar a boca do cavalo, e os ensinava a cavalgar "com uma embocadura suave e mãos delicadas... porque, fique certo de que é a arte e a boa técnica de equitação que fazem uma boa boca e não a embocadura", dizia. Mas, quem conhece as embocaduras utilizadas na Escola Napolitana não entende bem o que ele quis dizer com embocaduras suaves. Ele, Grisone, também recomendava os comandos de pernas para fazer mudanças de direção, e não somente para aumentar a velocidade do cavalo, que foi uma das técnicas mais importantes a serem introduzidas na equitação depois de Xenofonte. Ele também ensinava que "a voz é a melhor forma de corrigir o cavalo sem levá-lo ao desespero, ao passo que o chicote pode desesperá-lo e acovardá-lo".


Antonie de Pluvinel : o clássico

A equitação clássica nasceu das mãos sensíveis de um general grego que soube compreender os fenômenos mais sutis da doma, do adestramento e da equitação. Soube também, com as mesmas mãos, colocar suas observações por escrito. A obra de Xenofonte, intitulada "A Arte da Equitação", desapareceu por 1900 anos, ressurgindo no século XVI nas mãos de Frederico Grisome, mestre da Escola de Equitação de Nápoles.
Os ensinamentos de Grisome tiveram continuidade com seu discípulo iambattista Pignatelli que, por sua vez, foi mestre de Antonie de Pluvinel. Pluvinel, ao voltar para a França depois de seis anos com Pignatelli, trabalhou muito para modificar certas práticas da escola napolitana, das quais discordava - especificamente as embocaduras severas e o tratamento excessivamente rigoroso (às vezes brutal) que Pignatelli dispensava aos cavalos.
A equitação clássica deste período estava na infância, era estacionária. Os cavalos executavam movimentos como passades, ballotades, caprioles e outras figuras da alta escola. Era uma equitação desenvolvida para a guerra e dava ênfase à reunião do cavalo em todos os movimentos, uma prática hoje não recomendada.
Antonie de Pluvinel (1555-1620) foi soldado, diplomata, conselheiro, mestre de equitação e comandou, em Paris, uma academia para jovens nobres, onde ensinava esgrima, dança, matemática e filosofia - mas com prioridade para a mais nobre das artes - a equitação.
Monsieur de Pluvinel escreveu um livro a pedido do seu mais ilustre discípulo, o jovem rei da França, publicado em 1623 e intitulado "Le Maneige Royal". A obra foi escrita em forma de diálogo entre o respeitoso, mas autoritário, Monsieur de Pluvinel e o seu aluno, Sua Majestade o Rei da França, Luiz XIII. Neste diálogo, vamos procurar "pinçar" os fatos eqüestres que hoje, 373 anos depois, ainda constituem a base da boa equitação - a equitação clássica.
O frontispício do livro deixa clara a filosofia de Pluvinel e o seu compromisso com a filosofia de Xenofonte. De um lado da ilustração aparece uma figura "hérculea" chamada "Robur" (robusto). De físico invejável e portando um tacape na mão, "Robur" está com visível dificuldade em controlar um cavalo transtornado e aprumado. Do outro lado da gravura está uma elegante jovem, chamada "scientia". que conduz um garanhão obediente enquanto segura um livro aberto, que ela estuda com atenção. A ilustração deixa claro as vantagens da equitação racional em oposição a métodos brutais e irracionais.
"Eu desejo aprender", diz o rei na abertura do 1° capítulo, "o que é preciso para se tornar um excelente equitador ". Pluvinel responde (entre outras coisas): "O cavalo deve sentir prazer na equitação, senão o cavaleiro não conseguirá fazer nada direito."
"Como", pergunta o Rei ,"deve-se tratar um cavalo que desobedece?" Responde Pluvinel: "É muito melhor ensinar com bondade do que com severidade. Se o cavalo se recusar a obedecer, o bom cavaleiro descobre o que lhe impede. O cavalo só deve ser chicoteado por lerdeza. Deve-se ser pobre em punições e pródigo em carinhos. É importante que se estude a individualidade do cavalo. Alguns são estúpidos, medrosos e tão fracos que são capazes de andar algumas léguas. Estes serão melhores para uma carroça do que para o manége."
"O senhor faz distinção entre um cavaleiro elegante e um cavaleiro criterioso?" pergunta o Rei. "Sim", responde Pluvinel, "ninguém pode ser um cavaleiro perfeito se lhe faltar qualquer uma dessa qualidades. Para ser um cavaleiro elegante basta ter olhos para observar o que é elegante e o que não é, ter ouvidos e memória para guardar o que se aprende. Mas para ser um cavaleiro criterioso, que não saiba adestrar um cavalo, é preciso ter um julgamento consciente - uma droga rara pelo qual se recebe pouco, se considerarmos as quantias pagas aos farmacêuticos." (Com esta fina ironia, Pluvinel mostra que a falta de bom senso eqüestre já era endêmico em sua época.)
"Sim, eu tenho notado isso", diz o Rei, "e é por esse motivo que desejo aprender com o senhor".Responde Pluvinel- "Será muito mais fácil à Sua Majestade entender a arte eqüestre e lhe fazer bom uso - porque Deus lhe dotou de um corpo perfeito e uma vasta e sólida mente. É importante que o aluno seja um homem e não um animal vestido de gente, e que ele possua duas coisas importantes: um corpo esbelto e desejo de aprender."
Mais adiante, o Rei comenta - "Aqui, na primeira aula, o Senhor inicia o cavalo nas voltes (um círculo a galope com 5,5m de diâmetro) e ouço o Senhor dizer que é o movimento mais difícil que um cavalo pode fazer." A esta pergunta responde o duque de Bellegarde, Grande Equitador do Rei - "O Senhor pode observar como os potros correm alegremente atrás das mães e como, de vez enquanto, fazem uma 'demi-volte', girando e parando nos posteriores e às vezes completando uma 'courbette' (Aqui ficamos sabendo que no século XVII já se notava a correlação entre os movimentos naturais do cavalo e a sua correspondência com os movimentos da equitação)."
Pergunta o Rei - "É então, por esse motivo, que o Senhor repete o exercício da volte com mais frequência do que os outros?" -Responde Pluvinel- "Exatamente. Bons cavalos, para os quais a natureza concedeu leveza e força, aprendem mais rapidamente e pode desempenhar melhor e por mais tempo. Todavia, cada cavalo tem uma vocação própria, a qual o cavaleiro deve reconhecer. Cavalos aprendem com bons hábitos e não com discursos (onde se percebe que o 'papo furado' já existia na Renascença) e se o cavaleiro equitar o cavalo cientificamente ele deverá diminuir o uso das ajudas, até que os espectadores pensem que o cavalo está atuando por vontade própria."
"Da maneira que o senhor ensina aos alunos", diz o Rei, "eu percebo que tanto o cavalo quanto o cavaleiro recebem juntos as aulas"."Correto", responde Pluvinel, "eu tenho tentado encurtar o tempo que leva para ensinar cavalos e cavaleiros (Aqui fica evidente a importância da sistematização da equitação para acelerar o aprendizado do conjunto)".
Na segunda parte do livro "Le Maneige Royal" o Rei inicia o seguinte diálogo - "Monsieur de Pluvinel, eu posso ver que, com seus métodos, a pessoa aprende a julgar, num curto espaço de tempo, tanto o cavalo quanto o cavaleiro". Responde Pluvinel - "Vejo que sua Majestade entende, perfeitamente, do que consiste um cavalo bem adestrado. Os equitadores criterioso saberão sempre escolher os cavalos mais dóceis para serem adestrados e torná-los dignos de Sua Majestade. Não tentarei fazer distinção entre raças de cavalos, porque tenho visto bons e maus cavalos em todos os países. Tudo depende do julgamento do cavaleiro em observar os movimentos do cavalo, (verificando se os movimentos) são rigorosos e executados com energia, leveza, elegância e agilidade. Sou da opinião que todo cavalo é apto a algum grau de escolaridade, embora uns mais que outros. Sabemos que nem todo homem de belo físico é capaz de saltar e pular (A resposta está na neurologia - matéria desconhecida no tempo de Pluvinel). Deve-se evitar o uso da força, porque eu nunca vi nada de positivo sair disso. Meu objetivo é trabalhar o cavalo com calma, por pouco tempo, mas sempre."
Indaga o Rei - "Existem outras regras eqüestres que o senhor deseja enfatizar?" Responde Pluvinel - "Tomo o cuidado de verificar se o cavalo responder melhor a um calcanhar do que ao outro, ou se ele vira melhor para um lado do que para o outro. Não existe cavalo que não tenha algum tipo de limitação, as quais temos que superar com suavidade e paciência e não com uso da força. Os cavalos só aprendem por meio de aulas boas e repetidas, para que a equitação se torne um hábito. Antes dos meus métodos, muitos cavalo ficavam velhos e gastos ao invés de bem treinados (Hoje a ciência revelou que para aulas boas e repetidas se tornarem um hábito na equitação é necessária organização da equitação em reflexos condicionados).
"E o que o Senhor tem a dizer sobre freios e embocaduras?" pergunta o Rei. Responde Pluvinel - "Eu estou satisfeito em usar somente um dúzia de embocaduras (o livro Origens da Escola de Cavalaria e Suas Tradições Eqüestres, editado em Saumur no séc. XIX, traz 250 ilustrações de embocaduras, cada uma com legenda descrevendo sua utilização específica)". É importante que a embocadura dê prazer à língua do cavalo. Temos que procurar o que o cavalo prefere para seu conforto. Tomar cuidado para que a embocadura pouse direito nas barras do animal. A barbela deve encaixar corretamente no seu lugar. Cuidar para que a embocadura não belisque o canto da boca do cavalo. Todas essas coisas devem ser consideradas com critério. Mas a mão suave do cavaleiro e, no final, o melhor instrumento do cavaleiro.
Para Pluvinel, a equitação não era mais uma demonstração de domínio da besta pelo homem e nem a prova de sua masculinidade. E apesar da redescoberta da equitação-arte ter sido na Itália, foi graças a homens como Pluvinel que a França superou a Escola Napolitana e tornou-se líder no treinamento de homens e cavalos. A França dezessetencista deu à arte eqüestre a sua direção e marca, até hoje evidentes. (Bjarke Rink)