11 de maio de 2010
A Zooterapia
Era o fim dos anos 50, em Nova York. Havia um mês o psicólogo infantil americano Boris Levinson tentava estabelecer contato com o seu mais novo paciente, um menino de quase 10 anos com sérios problemas de socialização. Certo dia, o pequeno paciente chegou antes da hora marcada para a consulta e, na sala de espera, encontrou "Jingles", o cão labrador do doutor Levinson. Ao abrir a porta de seu consultório, qual não foi a surpresa do psicólogo: abraçado ao cachorro, o menino discorria sobre suas angústias e aflições.
A experiência motivou Levinson a usar o "doutor" Jingles no tratamento de autismo. Ele descobriu que o animal propiciava às crianças a oportunidade de expressar suas emoções. Os resultados dos estudos de Levinson foram divulgados em 1962, num artigo intitulado "The dog as a 'co-therapist'" ("O cachorro como um 'co-terapeuta'"). Na ocasião, o psicólogo foi motivo de chacota entre os colegas. Hoje, passadas mais de quatro décadas, as teorias de Levinson são levadas muito a sério. Está comprovado que a convivência com animais faz bem à saúde física e mental dos seres humanos de qualquer idade.
O contato com animais oferece benefícios que extrapolam os consultórios médicos. Entre eles está a ressocialização de presidiários. Várias penitenciárias americanas participam de programas para a formação profissional de presos como especialistas em cuidados com cachorros. Alguns aprendem a tosar, dar banho e adestrar os bichos. Outros se tornam treinadores de cães farejadores para uso policial ou que servirão de guias para cegos ou acompanhantes de pacientes epiléticos e deficientes físicos.
O objetivo é ensinar um ofício aos presidiários e, ao mesmo tempo, oferecer-lhes a oportunidade de desenvolver laços afetivos. "Isso aumenta a auto-estima e o senso de responsabilidade dos presos e também as suas chances de ressocialização no futuro", disse a VEJA Kate Losey, diretora do grupo de voluntários da Puppies Behind Bars, uma das principais ONGs americanas empenhadas em viabilizar o treinamento de cães em presídios. "Os cães oferecem amor e respeito incondicionais – sentimentos com os quais muitos dos presidiários nunca tinham tido contato na vida."
O resultado imediato, segundo estudos americanos que avaliaram o impacto de iniciativas do tipo, é que a vida no cárcere se torna mais palatável. O comportamento agressivo dos presos envolvidos nesses projetos diminui e eles convivem melhor com outros encarcerados e com os policiais. Isso ocorre porque a lida com animais funciona também como ocupação e válvula de escape para o stress do confinamento.
Os cachorros que participam do programa são escolhidos em lares para animais abandonados. Para integrar o time de treinadores, o detento precisa ter bom comportamento e, no mínimo, dois anos de pena por cumprir. Cada cão fica sob a responsabilidade de apenas um presidiário, num período que vai de dez a dezesseis meses. Durante esse tempo, voluntários (que não estão presos, é claro) encarregam-se de levar os cachorros para passear na rua, a fim de familiarizá-los com o ambiente externo.
Um episódio real, ocorrido nos Estados Unidos, ganhou as telas de cinema em 1962, com O Homem de Alcatraz, do diretor John Frankenheimer. O filme conta a história de um assassino condenado à prisão perpétua que muda radicalmente de comportamento depois de encontrar e salvar um passarinho da morte, no pátio do presídio. Tanto que ele se torna um ornitólogo autodidata de renome internacional.
No fim dos anos 70, uma lei americana permitiu a criação de animais de estimação nas cadeias americanas. Mas a iniciativa de levar os animais para trás das grades ganhou força no início dos anos 80, por iniciativa de uma freira dominicana e um professor aposentado de medicina veterinária. Na mesma ocasião em que a zooterapia começou a firmar-se na área médica.
As investigações sobre o uso de bichos no tratamento de doentes (ou zooterapia, como se diz no jargão médico) ganharam impulso no início dos anos 80, depois da morte de Levinson. Vários estudos demonstraram que a interação com animais protege o coração, reforça o sistema imunológico, alivia o stress, facilita o desenvolvimento das habilidades cognitivas e socioemocionais, combate a depressão, diminui a ansiedade e melhora a coordenação motora, entre outros tantos benefícios.
Recentemente, pesquisadores da Universidade da Califórnia mostraram que pacientes hospitalizados por insuficiência cardíaca se recuperam melhor e mais rápido quando são visitados por cachorros. Setenta e seis pacientes foram divididos em três grupos. Um recebeu a visita de um voluntário acompanhado por um animal.
O outro, de apenas um voluntário. E o terceiro ficou sem visita. De todos, o primeiro foi o que registrou as maiores quedas na pressão arterial e na quantidade do hormônio epinefrina, associado ao stress, além de uma redução mais acentuada no grau de ansiedade. "O prazer proporcionado pelo contato com os animais ajuda a manter e é capaz até de restabelecer a harmonia dos ritmos corporais", diz a veterinária e psicóloga Hannelore Fuchs, um dos nomes mais importantes da zooterapia no Brasil.
Um estudo conduzido em 1994, na Austrália, pelo médico Warwick Anderson, revelou que os donos de cães e gatos iam menos ao médico do que quem não tinha nenhum animal de estimação. "A explicação para isso é que a companhia de um cão, cavalo, gato ou qualquer outro bichinho que possa ser acarinhado ativa a produção de serotonina", diz o zootecnista Alexandre Rossi, presidente da ONG Cão Cidadão, de atendimento a pacientes com câncer.
Além de proporcionar prazer, o neurotransmissor serotonina reforça as defesas do organismo. E isso é especialmente importante para as pessoas idosas, mais sujeitas a problemas de saúde. Ao cuidar de um animal de estimação, elas se sentem úteis e voltam suas atenções para o presente e o futuro, deixando de lado a nostalgia e as frustrações do passado – o que tem efeitos positivos sobre o ânimo e, conseqüentemente, sobre a saúde orgânica.
"Agora eu tenho por que esperar o dia seguinte: faço planos e me organizo", diz a aposentada Magdalena Aparecida Costa, de 86 anos. Moradora da casa de repouso Lar Ondina Lobo, em São Paulo, quinzenalmente, ela e seus companheiros de asilo recebem a visita de um grupo de voluntários e seus doze cachorros. "É uma alegria", define Magdalena. "Depois que eles vão embora, eu sempre estou mais otimista e tranqüila em relação à vida."
Uma das pesquisas mais fascinantes dos benefícios que podem ser extraídos da relação entre homens e bichos foi publicada no ano passado, na revista especializada Neurology, da Academia Americana de Neurologia.
Depois de acompanhar o cotidiano de pessoas portadoras de epilepsia que tinham cachorros, os autores constataram que quatro de cada dez cães ficavam alterados durante as crises de seus donos. Desses, 15% chegavam a manifestar esse comportamento antes mesmo de o ataque epilético começar. Ou seja, funcionavam como uma espécie de radar para as convulsões de seus proprietários, o que os ajudava a prevenir-se de alguma forma.
Ao lado dos cães, um dos animais mais utilizados no tratamento de distúrbios é o cavalo. Aplicada no Brasil há quinze anos, a equoterapia é indicada sobretudo para crianças com síndrome de Down, paralisia cerebral e dislexia. "As atividades com os cavalos estimulam, ao mesmo tempo, quase todos os sentidos, o que beneficia muito essas crianças", diz a fonoaudióloga e equoterapeuta Lenora Avila.
Além de proporcionar prazer pelo toque, o passo provoca no quadril do cavaleiro um movimento semelhante ao do caminhar. Dessa forma, o animal fortalece a coluna vertebral, melhora a postura e o equilíbrio e desenvolve o senso de direção e a concentração.
Há que levar em conta, ainda, que os exercícios sobre o cavalo aumentam a segurança e a auto-estima de quem monta e obrigam o cavaleiro a se conectar com a realidade circundante, o que é extremamente valioso no tratamento da síndrome de Down e da dislexia. Até os 8 meses de idade, quando começou a equoterapia, Joanna de Oliva, portadora da síndrome de Down hoje com 4 anos, mal conseguia ficar sentada. Depois de apenas três sessões, ela já se sentava.
Dali a alguns meses, precisou abandonar a terapia e sua mãe percebeu o retrocesso. "Minha filha voltou a ficar molinha", lembra Jussara de Oliva. "Até os 2 anos e meio, ela não falava. Mas foi só retornar à equoterapia para retomar as conquistas." Hoje, Joanna fala com desenvoltura, come, toma banho e se veste sozinha