4 de novembro de 2009

A Perna de Dentro e a Rédea de Fora

Segundo o General L’Hotte “Considerada duma maneira geral, a Equitação é a arte de reger os forças musculares do cavalo”. “Nós seremos senhores de dirigir essas forças musculares, a partir do momento em que soubermos ligar intimamente a impulsão à flexibilidade elástica das articulações”.Impulsão e flexibilidade que se combinam em proporções diferentes conforme a actividade a que o cavalo se destina. Assim, no cavalo de desporto, quer se trate de corridas, de concurso completo ou saltos de obstáculos, a impulsão, em graus diversos deve sobrepor-se à flexibilidade das articulações, enquanto a impulsão e a flexibilidade das articulações se equilibram exactamente no caso do cavalo de alta-escola. Os exercícios, os movimentos, enfim os meios que o Equitador tem ao seu dispor, para através dos três grandes princípios, calmo, para diante, direito, conseguir a submissão do seu cavalo, compreendem, já dissemos aqui no início deste trabalho, quase toda a Arte Equestre. Estudados em todos os tratados, muitos deles dando origem a obras de grande importância, assunto de muitas teses dos nossos Mestres, continuam a alimentar o entusiasmo e a tocar as sensibilidades deste mundo de fiéis apaixonados que são os homens de cavalos. Para esta Tese, escolhi dois aspectos que muito me têm "sensibilizado", que são base do meu trabalho, preocupação constante na preparação dos meus cavalos: A acção determinante da perna de dentro e da rédea de fora e a musculação e os exercícios de flexibilização.

O Trabalho no Circulo

Diz o General Décarpentry "que não existe outro processo para obter e desenvolver a flexibilidade lateral da linha de cima que comanda a sua flexibilidade no sentido vertical (longitudinal) a não ser o trabalho de encurvação sobre o círculo". - O princípio é fazer coincidir a projecção vertical da coluna vertebral com a linha a percorrer, trazendo as espáduas e empurrando a garupa para o interior do círculo, o Cavalo mantendo-se sempre flectido, de modo que a sua coluna vertebral constitua um arco, uma parte do círculo, mais ou menos encurvado conforme o tamanho desse mesmo círculo. Todos os cavalos são encurvados para um dos lados, o eixo da sua espinha dorsal não coincidindo com o plano vertical médio longitudinal do seu corpo. Só o meio desse eixo coincide com esse plano, as suas duas extremidades afastam-se mais ou menos e sempre para o mesmo lado. - Este é o tal "rebuçado" que todos os cavalos nos oferecem, mais gostoso ou mais amargo, que vamos "chupando" pela vida fora e quando deixamos de montar, ainda trazemos às voltas dentro da boca. - Mais difícil de corrigir no cavalo adulto, já com um esqueleto completamente formado, exige por isso mesmo uma atenção especial nos cavalos novos, trabalhando frequentemente a sua encurvação paro o lado oposto, provocando no sistema muscular uma dissimetria favorável à flexão para o lado difícil. Este trabalho dos másculos, compensando a dissimetria óssea, permitirá ao cavaleiro repor o seu cavalo relativamente direito.
As Ajudas
- A rédea de dentro, abrindo na direcção do joelho, mantém o cavalo sobre o círculo e dá-lhe a encurvação.
- A rédea de fora determina o tamanho do círculo e o grau de encurvação; actuando sobre o posterior de fora se necessário, ela vai ajudar a perna exterior do cavaleiro que actuando atrás da cilha impede que a garupa se escape para fora e ajuda a flectir o cavalo para o lado de dentro. - A Perna de dentro, actuando junto à cilha, por vezes mesmo à sua frente, além da acção impulsiva impondo o movimento para diante, determina a flexão do posterior de dentro, actuando de modo a que o cavalo se habitue a dobrar-se à sua volta e evitando que ele "caia" para dentro do círculo. - O corpo do cavalo em toda a sua extensão, como que se enrola à volta da perna de dentro do cavaleiro. - Ela desempenha neste trabalho um papel importantíssimo, muito mais importante que o papel da rédea de dentro, frequentemente utilizada por muitos cavaleiros para manter o cavalo no círculo, chegando a transformá-lo (rédea de abertura) em rédea contrária de oposição, "puxando para trás", encapotando os cavalos, não os deixando andar para diante. Daqui resultando por um lado um pescoço contraído, a nuca baixa, o desequilíbrio, a limitação ao movimento amplo das espáduas, a contracção, a precipitação; por outro lado uma oposição permanente à impulsão, obrigando as pernas a actuar exageradamente, contraindo, precipitando os andamentos. - O cavalo, habituado a enrolar-se em volta da perna de dentro do cavaleiro, o posterior de dentro flectido, a impulsão permanentemente garantida, acaba por ceder do lado interior, encostando-se à rédea e perna de fora que então poderão regular toda a sua massa. - Ele pode agora manter-se no círculo, encurvando-se em toda a sua extensão, impulsionado, o pescoço estendido, a nuca sendo o ponto mais alto, em equilíbrio, descontraído e cadenciado.

Algumas citações de um artigo da ‘Reiter Revue"
Museler, Reitlehre
"Todos os cavalos se descontraem mais depressa quando os encurvamos em vez de os mantermos direitos. O cavaleiro dá ao seu cavalo um "pli" para o interior actuando docemente com a rédea de dentro. Neste nível de ensino (trata-se de cavalos novos), não se deve resistir com a mão exterior, mas ceder para incitar o cavalo a ceder ele também, quer dizer, dar tensão às duas rédeas, procurando o contacto com a mão. O mais importante no decurso deste trabalho é não haver perda de impulsão. Num trote regular mas enérgico, controla-se a rigidez ou contracção do maxilar, das ganachas, do pescoço, do dorso e dos membros do cavalo. Ele descontrai-se cada vez mais até que esteja equilibrado e enquadrado pelas pernas, as mãos e o peso do cavaleiro."

Trabalho em bridão para cavalos novos (Autor desconhecido)
"O cavalo novo não tem ainda força para se manter sobre uma curva regular suportando mais peso com o lateral interno. Em consequência disso descai para o meio do círculo. Empregam-se primeiramente simples ajudas interiores até ter voltado à curva inicial. Em seguida a mão exterior resiste para impedir o cavalo de seguir sobre uma tangente. Quando o cavalo é capaz de suportar o seu peso sobre o círculo, faz-se executar uma sequência de espáduas a dentro, garupa a dentro muito, muito suaves, quase imperceptíveis. Assim atingir-se-á muito depressa o momento em que se pode conduzir o cavalo com a rédea exterior. Ele encosta-se do lado exterior, cedendo completamente do lado interior".

Stein Brecht, Gymnasium des Pferdes
"O cavalo tentará defender-se deixando de entrar com o posterior de dentro que deveria suportar mais peso. Portanto o cavaleiro deve zelar para que este se desloque para junto do exterior, avançando bem. É o princípio fundamental de todo o Ensino. Observando-o, respeitando-
o, chega-se a eliminar tudo o que pode impedir o aperfeiçoamento dos andamentos e a sujeição completa do cavalo. As resistências à entrada do pé interior serão vencidos sobre linhas curvas, empurrando o cavalo bem para diante".
Burkner, Ein Reiterleben
"O sistema de N. conclui que é preciso acabar por conseguir conduzir o cavalo para as duas mãos com a rédea exterior. Para isso ele fazia trabalhar os Cavalos sobre um círculo. Metia-os a galope fazendo-os ceder à rédea interior, procurando o contacto da rédea exterior por uma viva acção da perna interior. Em seguida mudava de mão. Naturalmente trabalhava mais tempo o lado mais difícil. Para verificar o sucesso do trabalho executava uma diagonal a trote médio, que devia ser enérgico e bem cadenciado, o cavalo mantendo um contacto igual com as duas rédeas do cavaleiro".
Sobre este assunto, o acordo das mãos e das pernas, já Montfaucon de Rogles (1717 - 1760) também escreveu: "Que as ancas se encontram sujeitas e como que comprimidas pelo efeito da rédea de fora e perna de dentro; este efeito, estimula-as a desviar-se e não podendo fazê-lo nem para um lado nem para o outro, obriga-as a "atirar-se" para diante sem que para isso haja necessidade de juntar-lhe a acção da perna oposta. Como a rédea de fora ao realizar o objectivo particular de que está encarregada produz ao mesmo tempo o efeito que poderia resultar da acção da perna de fora, é preciso suprimir a acção desta perna".

Preparação para a Espadua a dentro
Conseguido este quadro de ajudas, o cavalo a ceder do lado interior (acção da perna de dentro) para que se "encoste" em seguida à perna e à rédea exterior, esta rédea: - Determinando conjuntamente com a perna do mesmo lado, o grau de encurvação mantido pela rédea interior; - Adaptando o ante-mão o mais exactamente possível ao post-mão (pondo o cavalo direito), para que a força impulsiva se exerça na direcção da linha das espáduas; em o cavaleiro à sua disposição a solução simples para a preparação da espádua adentro e para a execução correcta de numerosos exercícios fundamentais para distender e descontrair o seu cavalo. Assim ;- Começar no círculo o trabalho de mobilização da garupa e espáduas ao mesmo tempo; - O cavalo sai do círculo "todo" por inteiro, por acção exclusiva da perna de dentro bem à frente, aumentando a sua acção; - A rédea de fora "resiste" ligeiramente, aumentando também a sua acção; - A rédea interior mantém-se de abertura, descontraindo e encurvando; - Este processo evita que o cavalo descaía mais com a garupa ou mais com as espáduas, o que poderá acontecer trabalhando uma e outra separadamente.
Em seguida, confirmada esta fase, pode o cavaleiro iniciar o seu cavalo a sair do círculo junto à parede: - A perna de dentro bem à frente "aumentando a sua acção" leva o cavalo junto à teia, garantindo a impulsão e facilitando a encurvação; - A rédea interior, (rédea de abertura) abrindo para o joelho traz as espáduas para dentro e impõe e mantém a encurvação; - A rédea de fora "recebe" e conduz, garantindo e controlando o desvio das espáduas para dentro, regula a encurvação do pescoço e se necessário ajuda a acção da perna de fora evitando que a garupa se escape e facilitando a encurvação. - Dar poucos passos e voltar ao círculo; - Repetir o exercício, exigindo no princípio poucos passos e pouca inclinação em relação à parede.
- Esta acção da perna de dentro sobre a rédea de fora garante uma execução harmoniosa, cavalo permanentemente impulsionado, bem encurvado, posterior de dentro bem metido, rim flexível, pescoço estendido, a nuca no ponto mais alto, andamentos elásticos e cadenciados, em equilíbrio e descontracção. - O cavalo está inteiramente diante do cavaleiro que o empurra para a frente com o seu peso e com as pernas; ele tem impressão de estar sentado justamente em cima dos posteriores e de seguir um caminho subindo.

A Preparação e Execução de Exercícios Fundamentais
A perna de dentro sobre a rédea de fora, funciona ainda como uma espécie de "pronto-socorro" tanto na execução como na preparação e correcção de muitos exercícios: - Nos treinos, recorrendo à espádua adentro, tanto na fase de preparação como na fase de correcção desses exercícios. - Nas provas, estando o cavalo bem confirmado neste trabalho, basta "metê-lo" no mesmo quadro de ajudas o que passa despercebido aos olhos do júri e é suficiente para garantir uma boa execução.
Alguns exemplos:
- Como preparação para o ladear (encurvando e metendo a perna de dentro) - Na preparação e execução das voltas (encurvação e equilíbrio) - Na passagem dos cantos (encurvação e equilíbrio) - Como correcção quando o cavalo se atravessa nas linhas direitas (galope para a direita, garupa a querer atravessar-se para a direita, lado do galope, quadro de ajudas de espádua direita adentro) - Nos encurtamentos e nas transições (para evitar que o cavalo saia da mão e levante a cabeça) - Como preparação para os alargamentos de trote (entrada do posterior de dentro - equilíbrio) - Na preparação para as saídas A galope (atitude e equilíbrio) - Como correcção quando um cavalo se atravessa nas passagens de mão (recebê-lo em espádua adentro) - No galope invertido (o equilíbrio, a atitude)

Martins Abrantes, Capitão, GNR, Portugal, 1981