25 de novembro de 2009

As Frequências Cardíacas do Cavalo e do Cavaleiro

Observação das Frequências Cardíacas (FC) do Cavalo e Cavaleiro durante quatro exercícios monitorados e análise dos resultados segundo a Fisiologia da Equitação

A Neurofiosiologia é um campo emergente da Ciência Moderna. Dedica-se ao estudo das estruturas nervosas, suas funções e relações com os diversos sistemas orgânicos. Dentro deste conceito, a Neurofisiologia da Equitação pretende situar definitivamente a equitação como ciência e, desta forma, conhecer e compreender os processos que tornam possível a equitação de alta performance. De acordo com RINK (2001), a equitação de alta performance é obtida quando se consegue um perfeito ajuste entre cavalo e cavaleiro. Á partir do momento em que esta união se concretiza, forma-se o conjunto eqüestre (resultado da união das intenções do cavaleiro –comandos , com as ações do cavalo - respostas reflexas) unidade geradora da equitação. Esta figura foi perfeitamente representada na Grécia Antiga como a figura do Centauro.

Integração Homem/Cavalo : Há cerca de 6000 anos o homem iniciou um processo de domesticação do cavalo, utilizando-o primeiramente como fonte protéica na alimentação. O homem seguia a manada aonde ela fosse e logo começou a descobrir outras habilidades, como produção de leite , carga e tração e, posteriormente, a equitação. BARCLAY (l990), sugere que esta tenha sido descoberta pelas crianças que eram, provavelmente, as responsáveis pela ordenha das éguas. Esta descoberta possibilitou ao ser humano evoluir de uma forma muito mais dinâmica: “O Homo-Caballus passou a ter uma relação com o tempo diferente do resto da humanidade (...) Quebrou a barreira do tempo biológico humano e deu origem à História como ela é” (RINK,2000). Seguindo a idéia do autor, a descoberta do estribo, que atua sobre o sentido proprioceptivo humano como uma fonte de referência do chão, foi sem dúvida outro grande impulso aos povos nômades, guerreiros por natureza e excelência, vindo a contribuir enormemente em suas conquistas. Sem a descoberta da equitação o homem não teria evoluído ainda da condição de cidade-estado. Com o passar do tempo as nações eqüestres procuraram aprimorar cada vez mais a equitação, nem sempre com sucesso e na maioria das vezes com uma visão apenas mecanicista, não apenas da equitação mas também do cavalo. Com o conhecimento da neurofisiologia da equitação tem-se acesso ao conhecimento dos fenômenos neurofisiológicos (biológicos e psicológicos) da equitação, tornando-a cada vez mais eficiente e dinâmica tanto para o cavaleiro quanto para o cavalo. Para que se alcance uma equitação de alta performance, diversas etapas devem ser respeitadas sistematicamente, condicionando o cavaleiro e o cavalo a gerar os estímulos e respostas reflexas. Quanto ao cavalo, fatores como índole e habilidade esportiva são fundamentais na seleção e no adestramento. Cada animal apresenta características únicas e habilidades individuais para determinada prática esportiva, que acrescidos à morfologia, determinam sua maior ou menor performance. O adestramento deve, fundamentalmente, considerar e respeitar estas características individuais. É durante o adestramento primário, também conhecido como doma de baixo, que se começa a perceber as habilidades específicas de cada animal e aí se instala a confiança entre o cavalo e o ser humano (LESCHONSKI, s/d.). Neste momento é preciso condicionar as respostas reflexas que deverão ser dadas durante a equitação (RINK,s/d). “Devemos ter em mente que não podemos condicionar novas cadeias de reflexos, podemos apenas utilizar aquelas com as quais o cavalo foi programado”(ROONEY,1979). Quanto ao cavaleiro, ele deve conhecer e compreender os comandos que irão gerar as respostas reflexas e fazer o cavalo percebê-las como se fossem vindas do seu próprio cérebro. “Podemos dizer que o Homo-Caballus é a espécie mais evoluída da cadeia biológica – um conjunto fisiologicamente superior à soma das suas partes” (RINK, 2000).

Aspectos fundamentais para o estudo da Equitação : De acordo com RINK (2000), o estudo da equitação deve ser abordado segundo os seguintes aspectos: - Antropologia da Equitação: “o paradoxo da evolução humana é a infeliz combinação de um cérebro de alta potência combinado com um sistema locomotor de baixa potência – o que levou o sapiens a buscar a simbiose com o caballus” (RINK, 2001). - Psicologia da Equitação: refere-se ao relacionamento entre homem e cavalo além da equitação. Os cuidados do homem para com o cavalo são na verdade estímulos para a consolidação da liderança pelo homem e da confiança e respeito mútuos. - Comunicação da Equitação: busca o ponto e a forma como a comunicação de cada espécie encontra seu ponto de entendimentodurante a equitação. É baseada fundamentalmente na comunicação corporal entre o homem e o cavalo durante a ação eqüestre. - Neurofisiologia da Equitação: refere-se à correlação entre os circuitos nervosos dos integrantes do conjunto eqüestre, objetivando produzir intenções “casadas” . Considera os comandos sutis do cavaleiro, os quais são captados pelo sistema nervoso eqüino e transformam-se em ações eqüestres. “O homem e o cavalo conectados fisiologicamente originam o Homo-Caballus, onde o homem produz as intenções e o cavalo responde de forma reflexa” (RINK, s/d).

O Sentido Proprioceptivo na Equitação : O sentido proprioceptivo corrobora efetivamente para a manutenção das espécies sendo, por exemplo, fundamental ao potro para que sobreviva no novo ambiente, seguindo sua mãe e encontrando seu úbere no devido tempo. A propriocepção também colabora para que o potro reconheça o seu mundo e sua manada . SWENSON (1986), ao classificar os receptores sensitivos, enfatiza que os proprioceptores localizam-se profundamente nos músculos, tendões e articulações e transmitem informações a respeito das partes do corpo e da posição espacial deste. MACHADO (1986) considera os impulsos proprioceptivos como sendo conscientes ou inconscientes. A propriocepção consciente é o sentido que permite , sem o auxílio da visão, situar uma parte do corpo ou perceber o seu movimento (MACHADO,1986). Lesões fasciculares, por exemplo, podem levar à perda total ou parcial deste sentido. Esses impulsos conscientes atingem o córtex cerebral, proporcionando a percepção da posição espacial do corpo, assim como da atividade musculo-esquelética (cinestesia). Os impulsos proprioceptivos inconscientes regulam a atividade reflexa muscular através do reflexo miotático ou da atividade cerebelar. Estes impulsos não fornecem qualquer informação sensorial ao córtex cerebral. Na via de propriocepção inconsciente, os receptores estão em junções neuromusculares e músculo-tendinosas, sendo classificados em tipo I e II. Baseado nestes conceitos, este trabalho considera que, na equitação, os impulsos proprioceptivos são os responsáveis pelas respostas reflexas do cavalo aos comandos do cavaleiro como se fossem produzidos pelo seu próprio sistema nervoso (antigamente denominado Centaur Effect).

Anatomo-Fisiologia do Sistema Nervoso : No cavalo como em todos os mamíferos, o sistema nervoso central (SNC) estrutura-se basicamente em encéfalo e medula espinhal. O SNC comunica-se com as diversas estruturas do organismo através das vias nervosas eferentes e aferentes, por onde transitam os impulsos. Potenciais elétricos são gerados nos neurônios através das diferenças de concentrações iônicas (bomba de Na e K) e determinam potenciais de ação, pela geração de estímulos motores . No neurônio em repouso, há elevada concentração intracelular de íons K+ e extracelular de íons Na+ e Cl - . Assim, o meio intracelular está carregado positivamente e o extracelular negativamente (potencial de repouso). O potencial de ação ocorre pela passagem de um impulso, que é gerado através de uma corrente elétrica. O que caracteriza o mesmo é uma rápida despolarização (mudança de polaridade intra e extracelular) e uma repolarização relativamente lenta. As características do potencial de ação são dependentes de características do neurônio e não da natureza do estímulo. O que garante a informação no sistema nervoso é a freqüência e não a amplitude do potencial de ação (propaga-se em velocidade e em forma de onda relativamente constantes). A transmissão das informações entre os neurônios ocorre nas sinapses, através de neurotransmissores. O neurônio pré-sináptico libera o neurotransmissor na fenda sináptica em resposta ao potencial de ação. No neurônio pós-sináptico o neurotransmissor atua tanto produzindo quanto impedindo alterações do potencial elétrico. A condução do impulso em direção ao corpo celular é realizada pelos dendritos (processo aferente). Os axônos conduzem o impulso a partir do corpo celular ( fibra eferente). Placa motora é a terminação de uma fibra nervosa motora em uma fibra muscular, semelhante a uma sinapse. Assim como nas sinapses interneuronais, um neurotransmissor presente na junção neuromuscular é a acetilcolina. A despolarização do sarcolema, gerada com a liberação de acetilcolina na junção neuromuscular, gera a contração muscular. A acetilcolinesterase atua como antagonista da acetilcolina, regulando, desta forma, a duração e intensidade do estímulo nervoso. As fibras aferentes conduzem os impulsos nervosos ao cérebro ou à medula espinhal a partir do receptor ao qual está conectada. Algumas vias têm origem e terminação na medula espinhal, formando os arcos-reflexos. Assim, uma ação pode ser realizada sem que a mensagem precise passar pelo cérebro, tornando-a muito mais rápida. ROONEY (1979) descreve as dilatações nervosas cervical e lombar existentes na medula espinhal do cavalo. Estas dilatações podem ser consideradas responsáveis pela formação dos arcos-reflexos que geram as ações do cavalo aos comandos do cavaleiro durante a equitação. Os movimentos dos membros toráxico e pélvico são controlados pela dilatação cervical e lombar, respectivamente. “Esta extraordinária informação pode estabelecer bases sólidas para se realizar uma fusão mais completa do sistema neurofisiológico do cavalo e do cavaleiro.” (ROONEY,1979).

Justificativa : Com base nos fatos acima mencionados, pode-se sugerir que a integração neurofisiológica entre cavalo e cavaleiro durante a equitação é passível de mensuração pelos parâmetros fisiológicos. Desta forma, podem ser medidos os momentos em que ocorre uma maior exigência por parte do cavaleiro ou do cavalo para a manutenção da harmonia do conjunto, assim como os momentos em que ambos realizam um esforço semelhante. A medição da freqüência cardíaca é considerada neste experimento uma forma de realizar esta aferição. Através da medição da freqüência cardíaca (em bpm = batimentos por minuto) do cavalo e do cavaleiro durante e/ou imediatamente após a realização de determinado andamento ou exercício, pode-se obter dados a respeito dos níveis de esforço individual e do conjunto, variações entre diferentes exercícios e em condições ambientais diversas.

Materiais e Métodos :Para a medição da freqüência cardíaca (FC) do cavaleiro optou-se por um monitor portátil composto por dois eletrodos e de um relógio receptor². Para o cavalo utilizou-se um monitor similar adaptado à espécie. Os dados coletados durante o exercício são gravados na memória do receptor e podem ser acessados através de um interface acoplado a um microcomputador. Também possibilita a leitura simples da freqüência cardíaca durante ou imediatamente após o exercício. Realizou-se a princípio a medição dos níveis basais do cavalo e do cavaleiro, obtendo-se os seguintes resultados: Cavalo: 34 – 40 bpm Cavaleiro: 70 –80 bpm Estes níveis estão dentro daqueles esperados para as espécies, quais sejam, entre 28 e 40 bpm para os eqüinos e 60 a 90 para o homem. Após um período de 10 minutos de aquecimento o equitador pediu ao cavalo o passo alongado (PA), percorrendo uma volta completa em uma pista de 250 metros, a qual foi cronometrada. O mesmo procedimento foi realizado com o trote alongado (TA), trote reunido (TR) e cânter (CA), também conhecido como galope reunido. Esta série de exercícios é conhecida como Teste do Garanhão Completo (Anexo 4). Ao final de cada o exercício realizou-se a leitura direta das FC. Foi realizado um total de 17 medições e os dados organizados em tabelas, sendo transferidos para gráficos e analisados.

Resultados e Discussão : No Passo Alongado (PA) observou-se que ambos trabalharam em zonas de FC distintas, porém elevadas ( anexo 1). A elevação considerável observada no cavalo, em relação a FC basal é devida à elevada descarga de catecolaminas que ocorre fisiologicamente nesta espécie, dado o estímulo pelo exercício. (Swenson, 1996) .Observou-se que no PA a FC do cavalo variou menos durante a amostragem que a FC do cavaleiro, fato provavelmente relacionado à necessidade maior de esforço pelo cavaleiro para manter o ritmo constante numa andadura pouco estimulante para o cavalo. No Trote Reunido (TR) observou-se aumento na FC do cavalo, enquanto que a do cavaleiro manteve-se relativamente baixa. Houve ainda menos variações entre as FC do cavalo que nas do cavaleiro, durante a amostragem, especialmente quando os tempos de realização da volta esteve entre 2,18min e 2,23min (anexo 2). Notou-se que, quando a FC do cavalo variou entre 73 e 80, a do cavaleiro esteve entre 87 a 97. Estando a FC do cavalo acima destas, houve grande variação em relação ao conjunto (cavalo-cavaleiro). Isso pode ser um indicio de “efeito compensatório” de um dos elementos do conjunto em relação ao outro e de que existe uma faixa de desempenho em que não há compensação, mas um trabalho mais integrado. No Trote Alongado (TA) ambos mantiveram-se em FC muito elevadas e as variações de FC ocorreram normalmente juntas, salvo em condições ambientais adversas, quando observou-se nítida tendência do cavalo a autopreservação, diminuindo o ritmo, exigindo esforço maior do cavaleiro para manter o ritmo do exercício (anexo 3). No Galope Reunido ou Cânter (GR) observou-se o cavaleiro em FC muito elevadas, sendo notada uma nítida sincronia nas variações de FC.O ajuste do cavaleiro ao centro de gravidade do cavalo, parece ter sido fundamental para este resultado, facilitado a dinâmica do exercício (anexo 4). Os tempos considerados ideais, para fins de comparação dos FC, estiveram entre 1,22min e 1,29 sendo possivelmente ocorrida neste tempos a melhor “sincronia de intenções do cavaleiro e movimentos do cavalo” considerado por Rink, 2000. Acima de 1,29min estiveram as maiores FC do cavalo, possivelmente resultado de ser o CA um exercício contra o cronômetro, com grande gasto de energia, portanto maior a exigência ao sistema cardiovascular. Observou-se, ainda que o não uso de espora (militar, sem roseta), levando a diminuição da superfície de contato entre o cavaleiro e o cavalo influenciou consideravelmente aumentando o tempo em algumas amostragens. O galope demostrou a andadura em que se apresenta a maior integração do conjunto e aquela mais estimulante para o animal. Novas observações serão fundamentais para a confirmação é o aperfeiçoamento das analises realizadas neste estudo.

Conclusões : O resultado dos dados coletados e as observações realizadas levam a concluir que, pela tomada das FC do cavalo e do cavaleiro após a realização dos exercícios, é possível obter-se informações relevantes ao estudo da equitação. Os níveis de esforço do cavalo e do cavaleiro foram os dados mais evidentes nesta pesquisa e podem encaminhar a inúmeros estudos de grande importância nessa área. As variações no desempenho do cavalo em dias chuvosos, com a pista escorregadia, podem ser analisadas, sob o ponto de vista da neurofisiologia do comportamento, como uma atitude instintiva de autopreservação por parte do animal. Nestas ocasiões percebeu-se um certo zelo por parte do animal, exigindo que o cavaleiro precisasse usar mais os comandos (perna, sons) para mantê-lo no ritmo adequado. Mesmo assim, o melhor tempo do CA foi conquistado em um dia de pista ligeiramente úmida, o que pode sugerir não apenas bom preparo físico do conjunto como também confiança do cavalo em seu equitador, superando sua insegurança inata. Os resultados obtidos, especialmente no CA, demonstram a unidade do conjunto, apresentando integração crescente durante o tempo de coleta dos dados. Esses resultados corroboram com a teoria da Neurofisiologia da Equitação de que o homem e o cavalo interagem durante a ação eqüestre, formando, o que Rink denomina, “uma nova unidade biológica” – o Centauro.


Dra. Maria Luiza Zanotto é Médica Veterinária - UDESC