19 de junho de 2010
O Esquizofrenico e a Equoterapia por Regina Benelli
A Equoterapia é um método terapêutico bastante divulgado na Europa e nos Estados Unidos, trazido para o Brasil em 1970 pela Dra. Gabriele Brigitte Walter, que se especializou em Equoterapia na Alemanha, Suíça e Itália e desde então, vem sendo estudada e aplicada com grande sucesso. Em 1997, oficializou-se no Brasil, através do Conselho Federal de Medicina, pelo parecer número 06/97, conseguindo seu reconhecimento enquanto prática terapêutica.Este método terapêutico possui o cavalo como auxiliar, cooterapeuta, dentro de uma abordagem multidisciplinar nas áreas de saúde e educação, buscando o desenvolvimento biopsicossocial do individuo. Leia o artigo em "Mais Informações" ...
A Equoterapia é composta pelo trinômio praticante-cavalo-terapeuta, não existindo na falta de um dos elementos abaixo mencionados:
- praticante = indivíduo protagonista de sua própria recuperação; a pessoa que pratica a Equoterapia - em nosso caso, o doente de esquizofrenia.
- cavalo: parceiro equino com função de cooterapeuta, ou seja, auxiliar do terapeuta, aquele que facilita a terapia.
- terapeuta: profissional de formação acadêmica superior, devidamente habilitado por curso de especialização nos métodos de assistência por equinos.
Dentro da Equoterapia, aspectos como autocontrole, auto-estima, vivência de falhas e frustrações, lidar com o medo e ansiedade, aprender a negociar a integração social, são abordados de uma forma completamente diferente das demais linhas de tratamento.
A Equoterapia trabalha com pessoas cuja determinação biológica, psicológica ou ambiental está alterada, provocando diferenças no seu comportamento, devendo o psicólogo promover, através do cavalo, interações de caráter multifocal, com o objetivo de desenvolver as características formadoras da capacidade de convívio e integração social, ausentes no quadro esquizofrênico.
O método proporciona, a quem é atendido por ele, um espaço no qual pode conhecer suas competências, sem pressão e sem cobranças em ser produtivo, o que é bastante relevante para a maior parte dos praticantes psiquiátricos que, presos aos sintomas de sua psicopatologia, são pouco capazes de se relacionarem de maneira satisfatória, gerando conflitos familiares, agressões, inseguranças e medos. Neste cenário, o cavalo possibilita uma nova forma de comunicação, melhorando a capacidade de relacionamento intra e inter pessoal, ligando o esporte à medicina, psicologia e pedagogia.
As doenças mentais, também conhecidas como sofrimento da alma, exteriorizam-se em sintomatologia corporal e alterações de comportamento (como já dissemos), frequentemente abalando as relações pessoais, sociais e a capacidade para o trabalho. As causas desses sintomas geralmente estão guardadas na infância e se armazenam no corpo, dificultando, assim, a verbalização e se exteriorizando na postura corporal. O auto-conhecimento e/ou auto-reconhecimento e, ainda, o interconhecimento ficam alterados; o reconhecimento da realidade ou formação de contatos é mantido no campo subliminar, não verbal, escondido nos porões das lembranças e sem a possibilidade de serem vivenciados, ou seja, no abstrato. Nesse momento é que a utilização do cavalo se torna útil, por ser uma experiência nitidamente diferente da vivida com pessoas de relacionamentos anteriores ou atuais, pois o cavalo permite esta experiência de relacionamentos sem o medo do reencontro com experiências traumáticas, sejam elas de repulsa ou de dependência, afastando o medo de rejeição e incompreensão.
O paciente pode se relacionar com seu verdadeiro EU, sentindo algo como harmonia, sem necessitar do disfarce ou dissimulação, recuperando o contato ausente da realidade e atendendo a necessidade da cumplicidade sem censura.
A Equoterapia é muito mais do que montar num cavalo e simplesmente cavalgar. Aliás, pode-se executá-la sem montar num cavalo, uma vez que as fases de aproximação com o animal, por exemplo, são extremamente importantes para o vínculo praticante-cavalo (liame esse essencial ao tratamento), surgindo depois os outros vínculos que o paciente esquizofrênico terá oportunidade de formar, como com o psicólogo, os laterais, o guia, o equitador, o tratador e os demais profissionais envolvidos no trato e bem estar do cavalo.
Quando o esquizofrênico passa a observar o cavalo em liberdade, ele consegue detectar, a distancia, as diferenças e semelhanças entre ele e o belo animal, vivenciando uma sensação de segurança, pois encontra-se em área totalmente segura e protegida, nada podendo atingi-lo. Ele percebe como os cavalos movimentam-se, agrupam-se, defendem-se, relacionam-se, aproximando-se os mais curiosos da cerca, buscando contato, o que lhe proporciona o desafio que envolve uma resposta social. Observa, também, outros animais simplesmente brincando, pastando, alguns galopando e esta andadura do cavalo fascina-o, assusta-o, mobilizando emoções que podem ser reconhecidas e dominadas. Neste misto de fantasias, tabus e sonhos não realizados, a figura do cavalo torna-se sinônimo de proteção, coragem e liberdade, que vem a ser tudo que se buscou desde a infância nas figuras materna e paterna, no arquétipo da grande mãe que embala, mas que também castiga, e do velho sábio que provê, mas que também engole. Lembramos que a figura do cavalo representa da cabeça ao dorso a mãe e, do dorso para a garupa, o pai. Portanto, a simples observação à distância provoca uma gama imensa de conteúdos a ser trabalhada.
Estando a ambientação do esquizofrênico satisfatoriamente efetuada, realiza-se, então, um contato mais direto, também feito a uma distância que garanta segurança, ou seja, a alimentação do cavalo. Nesta etapa, o esquizofrênico poderá participar da atividade e, ele mesmo, alimentar o animal, vivenciando o prazer do processo e adquirindo o bem-estar que a ação lhe proporciona, bem como sentir o ato de cuidar.
A escovação do cavalo sugere uma aproximação mais íntima entre paciente-animal e deve ocorrer de forma tranquila e carinhosa. O esquizofrênico apóia uma das mãos no cavalo e com a outra o escova, percebendo, assim, a temperatura do animal, seus músculos, a textura de seu pêlo e o efeito dessa experiência, surgindo, então, um vínculo de unidade, cumplicidade, identificação e aceitação entre ambos. Nesta atividade, o esquizofrênico pode exteriorizar sentimentos embotados de carência, solidão e desespero, devendo o psicólogo estar bastante atento para perceber o instante preciso para interceder e tratar os conteúdos apresentados. Ressaltamos, ainda, que a escolha do animal deve ser adequada a cada necessidade do paciente.
Ao final do processo de aproximação, vivencia-se a despedida e agradecimento do paciente para com o cavalo e, neste momento em que o esquizofrênico tem que deixar para trás o que conquistou, renasce em seu âmago a sensação de injustiça, perda, menos valia e falta de motivação para continuar a viver, muito comum em doentes com quadro depressivo severo, cabendo ao psicólogo amenizar esta ruptura, mostrando-lhe que haverá uma continuidade no vínculo estabelecido com o cavalo, ajudando-o, assim, a trabalhar as frustrações, que são difíceis de serem administradas. eixar para trfrenico edida e agradecimento do paciente para com o cavaloidade do paciente.dquirindo o bem estar que a atividade
Como consequência natural no processo da Equoterapia, a montaria ocorre quando o praticante apresenta condições físicas adequadas para tal e vem a ser muito útil no processo terapêutico, que visa obter perseverança, auto-reconhecimento, capacidade de gestão e tomada de decisão. O contato com a natureza vivenciado através da montaria traz a ele o arquétipo poderoso, vitorioso, destemido, forte e amado do guerreiro - seu ângulo de visão e superioridade diferenciado por estar em cima do cavalo, a sensação de mobilidade e libertação desempenhando papel primordial em seu restabelecimento, refazendo a ponte entre o corpo e a mente, posicionando-se de forma mais confiante e socialmente mais tolerante.
Um outro processo bastante promissor na Equoterapia é a condução, no qual o próprio esquizofrênico conduz o cavalo, colocando em pauta a capacidade de gestão dos seus impulsos de liderança, promovendo a perseverança e o domínio do eu, testando a submissão às ordens e como estas são externadas e interpretadas, mostrando como ele está lidando com suas frustrações e com a não obediência do outro, no caso, do cavalo.
O manejo com os animais, os cuidados básicos com a alimentação, a limpeza e o correto encilhamento estimulam a aproximação e até os processos complexos de trabalho em grupo - o paciente deixa de ser o cuidado e torna-se o cuidador. Por meio da Equoterapia o esquizofrênico é preparado, a partir do manuseio com o cavalo, para realizar atividades socialmente úteis e produtivas, servindo para si próprio, por exemplo, a experiência de dar banho em um cavalo. Neste momento, ele questiona-se e percebe o quão prazeroso é banhar-se e pode voltar, então, aos seus hábitos de higiene, que foram abandonados com a doença. A Equoterapia estimula o paciente a construir sua própria história e ter consciência de sua situação, atuando, assim, na busca de solução para seus problemas. Nesta estratégia, os praticantes podem superar tanto o medo de entrar em contato com o outro como, também, desenvolver novas capacidades práticas, que envolvam ações positivas e pensamentos concretos.
O verdadeiro início de uma sessão de Equoterapia ocorre com o comparecimento do esquizofrênico ao local, pois ele tem que abandonar seu mundo externo e adentrar o mundo quente e vivo do cavalo, compartilhar com o animal sensações jamais antes vividas. Após a sessão, ele vivencia a despedida que, para o psicótico, representa a perda do conquistado, o que, na grande maioria das vezes, significa uma perspectiva nada agradável. Neste ponto, ocorre a oportunidade de lidar com as frustrações e transpô-las para o dia-a-dia, atingindo, assim, mais um objetivo proposto pelo método equoterápico.
Em contato com o cavalo o esquizofrênico revive antigas emoções afloradas pelas características do ambiente de baia, quente e úmido pela temperatura externa do cavalo, que é igual à temperatura interna do ser humano, o que proporciona uma sensação vivenciada apenas no período de gestação, quando a ausência de preocupação intra-uterina era traduzida por felicidade plena. A mastigação do cavalo, por sua vez, reproduz o barulho emitido ao feto pelo cordão umbilical, induzindo o praticante a um estado de relaxamento e paz que o ajudam, inclusive, a dormir melhor.
A intensidade das sensações e das emoções provocadas pelo cavalo conduz o esquizofrênico a um encontro consigo mesmo, que é corporal e psicoafetivo ao mesmo tempo.
A atividade de montaria realizada com a manta proporciona um contato físico maior para o praticante que, a partir do movimento ritmado do cavalo, conscientiza-se do próprio corpo, por vezes abandonado pela doença, já que todo movimento desperta emoção e toda emoção desperta movimento. Desta forma o paciente libera as emoções embotadas ou desconhecidas, obtendo também o prazer da montaria.
Para o psicólogo é possível, através do cavalo, identificar não só os mecanismos da psicopatologia do praticante como, também, o seu funcionamento psicodinâmico, pois na relação com o cavalo ele reproduz as suas limitações, as dificuldades em estabelecer e manter vínculos, a falta de tomada de iniciativa e a baixa auto-estima. O cavalo significa um objeto de identificação ou um meio de catarse, no qual o praticante projeta suas demandas psíquicas.
Ao longo deste processo, o terapeuta encontra recursos para desenvolver com o praticante a relação homem-cavalo e ter os insights necessários à sua evolução. As estratégias terapêuticas diversificam-se conforme as situações e os aspectos psicopatológicos de maneira variada, numa mesma relação.
Normalmente o psicótico apresenta um enfraquecimento e uma fragilidade considerável do ego, portanto, a abordagem utilizada fortalece sua auto-estima, o que o ajuda a não se refugiar na regressão e na negação da realidade.
Na prática da Equoterapia, NADA é pontuado, TUDO é vivenciado, e o praticante DESCOBRE, com a ajuda do cavalo, o tópico a ser trabalhado, cabendo ao psicólogo ser o mediador deste processo.
Há ainda que ressaltar as características que o cavalo tem em comum com o esquizofrênico: tanto um como o outro são assustados e arredios e vêem o ser humano como uma ameaça. Esta identificação permite ao esquizofrênico transpor as barreiras da interiorização dos sentimentos e retomar sensações de prazer já esquecidas, uma vez que já não se sente mais isolado e, sim, parte de um contexto que permite a exposição de sentimentos e incita a iniciativa , combatendo a apatia e a estagnação .
O cavalo, então, surge como parceiro de uma jornada na qual, juntos, irão em busca do novo e, através de obstáculos e percursos, firmam-se companheiros . O esquizofrênico experimenta a sensação de fazer parte.
Por meio da Equoterapia é possível despertar um novo sentido e proporcionar melhores condições de vida e prazer através do cavalo, ser vivo irracional, mas que transmite calor, amizade, segurança e afetividade, sem nada cobrar.
São inúmeras as atividades que podemos desenvolver no tratamento da esquizofrenia pela Equoterapia, bem como os benefícios desta para o paciente esquizofrênico.
O básico da Equoterapia relaciona-se a tudo que se refere como melhora da qualidade de vida de seus praticantes e, consequentemente, de seus familiares, pois busca o entendimento do ser humano de forma integral, sendo inúmeras as possibilidades que o cavalo nos oferece.
O esquizofrênico, auxiliado pelas pernas equinas e pelo movimento tridimensional rítmico do seu andamento, que imita a cadencia do andar humano saudável, recupera o contato com seu eu e busca a reintegração consigo mesmo e com a sociedade, uma vez que, agora, sente-se apoiado e aceito pelo cavalo e, portanto, a um passo de ser reintegrado socialmente, podendo então baixar a guarda e se tranquilizar, aproveitando ao máximo as experiências da Equoterapia.
Regina Helena da Costa Benelli é psicóloga, pedagoga, especialista e pós graduada em Equoterapia e colaboradora do blog Equoterapia & Equitação Especial .