1 de setembro de 2010
Psicomotricidade e Equoterapia
Todo o trabalho realizado com e sobre o cavalo, envolve o corpo e as suas funções de forma completa onde a coexistência com o outrem se torna uma unidade dinâmica. O trabalho psicomotor na Equoterapia é intenso, mas não é o único. Através do corpo do animal descobre-se o seu corpo.A aquisição dos conhecimentos da biomecânica humana e animal são essenciais para entender a relação do movimento e do equilíbrio entre estes dois seres vivos.
A Psicomotricidade e a Equoterapia, favorecem experiências somato-sensoriais, através do corpo em movimento e da relação do mundo interno e externo do indivíduo dentro de um contexto de atividades significativas que fortalecem o aprendizado nas alterações cognitivas, perceptivas, sensoriais, motoras, funcionais, laborativas, afetivas, emocionais e sociais.
Na Equoterapia existem várias atividades a serem desenvolvidas, dentre essas o volteio (execução de movimentos acrobáticos e ginásticos a cavalo) que tem como base o jogo, o conhecimento do próprio corpo, onde o experimentar, o aprender os exercícios e o contato físico com o cavalo, são peças constantes durante as sessões.
Esta atividade proporciona ao indivíduo uma rica oportunidade de consciência e conhecimento corporal, valorização do mesmo e suas potencialidades gerando uma interação e integração entre os aparatos sensórios-motores, cognitivos e afetivo-relacionais. Nunca se está imóvel sobre um animal “parado”.
O indivíduo sempre estará em movimento, já que, aquele balança a cabeça, a cauda, troca os apoios sobre as patas etc. Sendo assim, é necessário a manutenção constante do equilíbrio para manter-se sobre o cavalo. O indivíduo deve “descobrir” os movimentos e posicionamentos necessários para “estar” sobre o animal ( compensações, equilíbrio) e experimentar novas vivências sensoriais fornecidas dentro do contexto da modulação corporal.
O movimento só pode ser aprendido e corrigido através de outro movimento. Andar a cavalo requer o uso de ambos os hemisférios cerebrais (simetria corporal) e, um grande número de informações simultâneas é transmitido a toda fisiologia humana devido à interferência dos movimentos tridimensionais e multi-direcionais sobre o corpo agindo nas ações corporais como, transferências do peso corporal, controle bi manual sobre as rédeas, comandos através dos pés para o deslocamento e direcionamento etc.
A nova posição no espaço tem um grande efeito no sistema vestibular, o qual também influência os centros da fala (ritmo). Tal qual a Psicomotricidade, a Equoterapia transforma o indivíduo, tornando-o mais organizado através das vivências motora, afetivo-emocional e cognitiva.
Corpo e Afetividade
O “corpo fala”. Através dele detecta-se várias alterações e condutas do comportamento humano e animal.O cavalo demonstra suas emoções de formas variadas. Possui narinas dilatáveis, “murcha as orelhas”, “gira as orelhas”, “olha para a sua barriga”, relincha etc. Com essas informações pode-se traduzir que algo o incomoda, está com medo, desconfiança, está atento, está com dor, alegria, fome, prazer e, a afetividade com aquele que dele cuida, acaricia, alimenta e o trata bem.
O animal percebe quando o indivíduo apresenta algum problema devido ao tensionamento muscular que este exerce sobre o dorso do cavalo. Esta relação de cumplicidade possibilita uma integração homem X cavalo.
Assim também são os seres humanos.O cuidar e ser cuidado faz parte das relações entre seres vivos, portanto ao escovar, pentear, e higienizar o animal, são realizados movimentos amplos (circulares, horizontais, diagonais, verticais) e movimentos finos (limpeza da ranilha) como também, exploradas as texturas (pêlos, crina, casco, focinho) e temperaturas (calor corporal, calor da respiração).
Esta forma de proximidade favorece a eclosão de sentimentos, muitos ainda obscuros, onde o controlar o animal representa controlar o seu próprio “eu”.O animal reage de forma confiante e segura se o indivíduo mostrar-se capaz, corajoso e decidido em suas ações, caso contrário informações incorretas, dúbias serão transmitidas e tornando o cavalo indeciso e irritadiço não realizando os comandos solicitados.
A riqueza de emoções que se traduzem nesta relação são importantes para o desenvolvimento da auto estima, auto confiança, responsabilidade, cooperação, sociabilização, aceitação às frustrações e limites, afetividade e a distinção eu/outro, falhas em diversos comprometimentos comportamentais.O animal, “ser vivente”, estabelece um diálogo tônico-afetivo baseado na percepção e movimento do corpo quente e macio.
O cavalo é o espelho das nossas emoções.
Postura e Posicionamento
Um paciente bem posicionado – sentado - sobre o cavalo (com ou sem apoio dorsal) seu horizonte se amplia e sua mobilidade torna-se mais liberada, sendo capaz de permanecer sobre o mesmo por um período mais longo, melhorando sua autoestima, favorecendo trocas relacionais (socialização), aprendizagem, aumento da estimulação visual, estimulação auditiva, atenção, ampliação do seu campo visual, melhora da capacidade respiratória, deglutição etc.
Quando em deslocamento, o animal desencadeia oscilações, modificando sucessivamente o centro de gravidade, exigindo do paciente, diversos ajustes tônicos para adequar o controle postural, buscando maior independência através da utilização de estímulos e posicionamentos corretos. O controle da função postural é regulado através das informações proprioceptivas, somestésicas, labirínticas e visuais.
O controle postural e o posicionamento adequados facilitam a visualização do meio terapêutico de forma mais ampla e altiva onde o indivíduo “enxerga” o mundo de cima para baixo. Em pacientes com transtornos de comportamento e transtornos globais do desenvolvimento deve-se deslocar o animal com movimentos sinuosos e pouca angulação para que haja uma desestabilização do equilíbrio visando favorecer maior atenção à manutenção da verticalidade corporal e provocar o “despertar” dos canais semicirculares.
A postura ereta e o correto posicionamento dos braços, mãos, pernas e pés permitem a recepção favorável pelo animal, dos comandos solicitados pelo paciente. O controle psicomotor é muito importante para o desenvolvimento da terapia.
Movimento e atividade
Vários exercícios são realizados de acordo com as patologias que se apresentam. Em ambiente controlado e acolhedor que previna problemas comportamentais que envolva a seguridade em pacientes esquizofrênicos e depressivos, são desenvolvidas atividades que exijam o controle do animal, a dissociação corporal, a autonomia e independência, associações de idéias, a aceitação de limites e frustrações.
Estes exercícios com a facilitação do movimento tridimensional do cavalo estimulam a flexibilização do movimento corporal transformando o corpo rígido, em um corpo mais flexível. Sempre que possível trazer a família para o set terapêutico almejando maior afetividade entre todos os participantes. O set terapêutico é sinônimo de acolhida.
É como um útero. Dentro dele passamos por vários momentos e nos fortalecemos. O animal, os terapeutas, pacientes e famílias encontram-se em harmonia e direcionados ao bem-estar daquele que muitas vezes é privado de atos simples para o dia-a-dia, como andar, falar, enxergar, tocar, perceber e sentir... é o cenário da vida explorando os potenciais, onde as emoções explodem em sorriso e alegria. Existe um leque infinito ao se trabalhar com o conjunto “cavalo/praticante/família”.
A criatividade deve permanecer lado a lado ao trabalho de Hipoterapia/Equoterapia, pois apenas um picadeiro nos possibilita criar diversas atividades para que possamos atingir objetivos específicos. Ao comandar o animal em percursos pré determinados são facilitados a estimulação sensorial (visão, audição, tato), equilíbrio, coordenação motora global, coordenação viso-motora e a lateralidade.
A percepção de um novo espaço desenvolve uma capacidade de estruturação espaço temporal e lateralidade, diferentes dos espaços habitualmente freqüentados pelo indivíduo. O contato com o animal possibilita a recepção de informações sensoriais, especialmente vestibular, tátil e proprioceptiva.
As atividades realizadas sobre e com o animal dentro de um contexto intelectual, emocional, mental, motor e psicológico, envolvem o corpo do indivíduo de forma “una” onde este corpo em movimento tem um significante e um significado.
O aumento da função é o resultado freqüente de um bom posicionamento. Existem diversas atividades realizadas e facilitadas com a ajuda do cavalo utilizando as suas andaduras, movimentos, oscilações e excitações, proporcionando ativações e modulações nervosas devido a estímulos sensoriais tendo como resposta motora um conjunto de adaptações e readaptações posturais e ativações sensoriais.
A Equoterapia é rica em estímulos através dos conceitos de movimento, espaço, tempo e dimensão que são identificados através do número de repetições da passada do animal, distância percorrida, intensidade, freqüência e ritmo transmitidos ao paciente através de uma ação reflexógena estimulante que desencadeia um mecanismo de resposta adaptativa fortalecendo o aprendizado.
As atividades propostas e os recursos utilizados possuem objetivos adequados e individualizados dentro de um plano de tratamento. Criança autista deve ser sempre estimulada e motivada com música, ritmo, contato visual e tátil e auditivo em sintonia com os movimentos do animal sem grandes oscilações corporais devido a insegurança ao desconhecido e a mudança na rotina presentes nestes casos.
Objetivar focar a atenção da criança em um membro da equipe, manter contato corporal (mímica) ou verbal através de sons significativos, sorrisos intencionais, reação protetora de endireitamento (preservação), aproximação e contato com o animal, estimulando o toque e ser tocado, obedecer a ordens simples, favorecer a intenção do desejo.
A relação social do espectro autista melhora com o recurso da utilização do cavalo na terapia. A interação com o cavalo, desenvolve novas formas de comunicação, socialização, autoconfiança e auto estima presentes a partir do primeiro contato até o montar. Quando há alteração do sistema vestibular e proprioceptivo existirão transtornos no equilíbrio, tônus, discriminação direito e esquerdo, pobreza na coordenação motora bimanual, dificuldade em utilizar a linha média e hipersensibilidade ao movimento.
Devemos estimular utilizando jogos, atividades com cores, formas, escrita, brinquedos sonoros, sacos de feijão, etc.
Na hemiplegia congênita, a integração corporal entre os dimídios lesado e são-está prejudicada. Utilizam-se atividades bilaterais simétricas (conduzir animal usando rédeas adaptadas, higienização do animal, alimentação, jogos variados) provocando equilíbrio dinânico, percepção corporal, cruzamento dos membros superiores na linha média etc.
Os deficientes sensoriais (auditivos e visuais) necessitam de um intenso trabalho psicomotor devido as compensações corporais como aumento da base de sustentação, postura cifótica, orientação espacial deficitária e baixa auto estima. Quando sentado sobre o dorso do animal o deficiente visual perde o contato com o mundo devido a ausência do contato plantar no solo.
O controle postural e a atenção são amplamente requisitados. Os movimentos realizados sobre o animal tais como rotacionais, de joelhos, de pé, laterais são executados primeiramente com o cavalo parado e a posteriori em andamento.
O trabalho psicomotor nestes indivíduos cria uma nova visão do seu próprio corpo e do potencial que se adquire ao vivenciar novas condutas corporais e a percepção do mundo de forma diferenciada. A criança com TDA/H é uma criança que requer atenção nas áreas psicomotor, psicopedagógico e relacional. Os objetivos propostos no set terapêutico são: memória, figura fundo, percepção visual, atenção/concentração, linguagem (compreensão, expressão), orientação espacial, organização de pensamento, lateralidade, coordenação motora,esquema corporal, alongamentos e respiração.
Dra. Beatriz Berro Marins
http://www.equitar-br.com.br/artigos_ver.php?art_id=19