1 de setembro de 2010
Os Efeitos Terapeuticos da Equoterapia
Um dos conceitos que define esse recurso terapêutico se refere a ele como um conjunto de técnicas reeducativas que atuam para superar danos sensoriais, cognitivos e comportamentais e que desenvolvem atividades lúdico-esportivas utilizando o cavalo” (Cittério, 1999).A equoterapia é um recurso terapêutico que pode ser aplicado as áreas de Saúde (portadores de necessidades especiais físicas, sensoriais e/ou mentais); Educação (indivíduos com necessidades educativas especiais) e Social (indivíduos com distúrbios evolutivos e/ou comportamentais). Leia em "Mais Informações" .
Os efeitos terapêuticos que podem ser alcançados com a equoterapia são de quatro ordens (Garrigue, 1999):
• melhoramento da relação: considerando os aspectos da comunicação, do autocontrole, da autoconfiança, da vigilância da relação, da atenção e do tempo de atenção;
• 2 melhoramento da psicomotricidade: nos aspectos do tônus, da mobilidade das articulações da coluna e da bacia, do equilíbrio e da postura do tronco ereto, da obtenção da lateralidade, da percepção do esquema corporal, da coordenação e dissociação de movimentos, da precisão de gestos e integração do gesto para compreensão de uma ordem recebida ou por imitação;
• 3 melhoramento de natureza técnica: facilitando as diversas aprendizagens referentes aos cuidados com os cavalos e o aprendizado das técnicas de equitação;
• 4 melhoramento da socialização: facilitando a integração de indivíduos com danos cognitivos ou corporais com os demais praticantes e com a equipe multidisciplinar.
A equoterapia exige a participação do corpo inteiro do praticante, contribuindo assim para o seu desenvolvimento global. Quando o cavalo se desloca ao passo, ocorre o movimento tridimensional do seu dorso; portanto, há deslocamentos segundo os três eixos conhecidos (x, y, z), ou seja, para cima e para baixo, para frente e para trás, para um lado e para outro. Tal movimento é transmitido ao cavaleiro pelo contato de seu corpo com o do animal, gerando movimentos mais complexos de rotação e translação.
O passo do cavalo, que determina uma ação tridimensional de seu dorso e a repetição desses movimentos de 1 a 1,5 por segundo, proporciona entre 1.800 a 2.250 ajustes tônicos em meia hora, que é o tempo médio de duração de uma sessão de equoterapia. Esse ajuste tônico ritmado resulta em uma mobilização osteoarticular que determina um número impressionante de informações proprioceptivas. Esse sistema promove as percepções (propriocepção), consciente e inconsciente das diferentes partes do corpo.
Necessidades especiais visuais
Os deficientes visuais constituem-se como o grupo que apresenta, talvez, as maiores e mais antigas preocupações, tanto para as ciências como para a filosofia. Filósofos têm teorizado sobre o fato de os olhos possuírem uma relação mística com a alma. A história nos relata sanções relacionadas à perfuração dos olhos como punição por crimes sexuais e sociais. Outros textos mostram os cegos reverenciados como adivinhos ou considerados como transmissores verbais das tradições e dos valores culturais.
Até os dias atuais as atitudes para com os indivíduos cegos são diferenciadas e se revestem de benevolência social ou veneração pelo trabalho que realizam. Superstições e atitudes carregadas emocionalmente com freqüência estão associadas à cegueira. O público em geral considera a cegueira como a perda física mais limitadora que existe (Amiralian, 1997).
A característica específica da cegueira é a qualidade de apreensão do mundo externo. As pessoas cegas precisam utilizar-se de meios não usuais para estabelecerem relações com o mundo dos objetos, das pessoas e das coisas que as cercam: essa condição imposta pela ausência de visão se traduz em um peculiar processo perceptivo, que se reflete na estruturação cognitiva e na organização e constituição do sujeito psicológico (Amiralian, 1997).
O que não se pode desconhecer é que o deficiente visual tem uma dialética diferente, por causa do conteúdo que não é visual e da sua organização cuja especificidade é a de referir-se ao tátil, auditivo, olfativo, cinestésico. Dispor de todos os órgãos dos sentidos é diferente de contar com a ausência de um deles: muda o modo próprio de estar no mundo e de se relacionar (Mansini, 1994).
O desenvolvimento humano se dá por meio de vivências e experiências que, no caso da criança cega, são mais restritos e limitados, o que pode acarretar uma lentidão e até mesmo dificuldades em seu processo de maturação. As crianças cegas congênitas constroem a imagem do mundo pelo uso efetivo dos outros sentidos, daí a necessidade de estimulação dessas estruturas sensoriais para compensar a ausência da visão e diminuir a defasagem psicomotora.
Implicações da equoterapia para o cego
• Estimulação sensorial
Segundo Figueira (1996), o profissional, que tem como objetivo promover o desenvolvimento da criança cega, deve conhecer bem suas capacidades e seus potenciais, para explorá-los no decorrer do processo terapêutico. A criança cega não é capaz de se orientar, nem realizar adaptações em seu sistema muscular de acordo com as variações de posição, distância, tamanho e forma. Pela ausência da visão, as combinações autocorretivas de reforço mútuo entre a visão e as respostas motoras ficam muito comprometidas.
Devemos lembrar que não existe substituição de um sentido por outro. O conjunto sensorial funciona em sinergismo, em que nenhum dos sentidos realiza suas funções de forma isolada, eles se retroalimentam. Nesse sentido todo o processo terapêutico deve promover uma ampla estimulação dos outros sentidos em conjunto.
Nesse caso a equoterapia cumpre o seu papel terapêutico/educativo e de estimulação global do praticante cego, pois como diz Botelho (1999, p. 149):
... a cada passo do cavalo o centro de gravidade do praticante é defletido da linha média, estimulando as reações de equilíbrio, que proporcionam a restauração do centro de gravidade dentro da base de sustentação. O sistema vestibular é assim repetidamente solicitado, estimulando continuamente suas conexões com o cerebelo, tálamo, córtex cerebral, medula espinhal e nervos periféricos. Por meio de inúmeras repetições do movimento do andar do cavalo, o mecanismo dos reflexos posturais e a noção de posição dos vários segmentos corporais no espaço são reeducados durante 30 minutos da sessão de equoterapia.
Levando-se em consideração o local onde são realizadas as sessões de equoterapia, que por suas características naturais apresenta diversos estímulos auditivos e olfativos, além dos de comunicação que são proporcionados pela equipe multidisciplinar que realiza a intervenção, podemos considerar como um recurso que pode oferecer ao cego uma estimulação global e motivadora. Como diz Heimers (1970, p. 35):
Os estímulos que vem de fora constituem um fator importante na vida dos videntes, e os cegos os desconhecem, por isto, devemos manter sempre alertas esses estímulos, devemos despertar o interesse da criança cega para que ela não caia no marasmo. O movimento ao ar livre, na natureza, traz consigo um mundo de ensinamentos e experiências.
• Reeducação postural
A coordenação e o ritmo de uma criança cega ao andar podem ser mais desordenados do que os de uma criança com visão. Se a criança cega não for encorajada a conduzir seu corpo de maneira adequada, pode ser que mantenha uma grande distância entre as pernas ao ficar ereta e desenvolva uma má postura e uma forma de andar incorreta. Um problema comum é o da criança que deixa cair a cabeça sobre o peito. A criança cega deve ser instada a manter a cabeça erguida, perpendicular em relação ao chão (Oliveira, 1996).
A equoterapia vai ajudar na correção da postura, pois como diz Herzog (1989, p. 17):
... manter o equilíbrio significa, a principio, reconhecer uma atitude corporal pelo senso postural, depois reajustar sua posição. O cavaleiro deve coordenar seus próprios movimentos e dissociar os gestos dos braços e pernas. Ele é, portanto, conduzido a uma melhor compreensão de seu esquema corporal. Ele adquire, desde um primeiro contato, o domínio corporal, aprendizagem que, num primeiro momento, vai ser favorecida pelo terapeuta. É um trabalho que demanda concentração.
Sabemos que o aprendizado das técnicas eqüestres exige que o cavaleiro mantenha uma colocação correta na sela, ou seja, manter o tempo todo uma postura adequada, o tronco ereto e a cabeça perpendicular em relação ao solo, além de ter que dissociar os movimentos de braços e pernas, para que acompanhe os movimentos tridimensionais do dorso do cavalo e possa realizar o manejo correto das rédeas.
Durante as sessões de equoterapia, essas ações são desenvolvidas e estimuladas pelos terapeutas, fazendo com que o praticante realize o aprendizado correto da postura a cavalo. E como essas estimulações ocorrem por um período de 30 minutos, o número de informações proprioceptivas que provêm das regiões articulares, musculares, periarticulares e tendinosas são bastante diferentes das fornecidas quando estamos na posição de pé. As informações proprioceptivas dadas pelo passo do cavalo permitem a criação de esquemas motores novos: trata-se da reeducação neuromuscular.
• Relação com o outro
Paschoal (citado por Araujo, 1997), ao falar de educação psicomotora para crianças cegas, diz que é necessário permitir que a criança cega, desde pequena, se utilize do contato físico na relação corpo a corpo. Num trabalho psicomotor é necessário que o adulto permita essa entrega de si, para que ela possa sentir que o outro se movimenta, gesticula e que ela também pode se movimentar, gesticular, se soltar, etc. O autor diz que há nesse ato uma tomada de consciência por parte da criança do potencial motriz do seu corpo, de uma forma muito natural, livre, na brincadeira, no jogo, no momento em que ela está mais aberta, pois está mais absorta.
A equoterapia, como uma atividade que envolve a psicomotricidade, pode proporcionar à criança cega esse contato físico e de uma forma muito mais ampla, pois, desde o momento que o praticante cego chega ao local das sessões, ele é recebido pelos terapeutas e auxiliares e, enquanto aguarda sua vez, participa de jogos e brincadeiras, que permitem essa relação corpo a corpo. Quando está montado, esse contato físico passa a ser com o cavalo, que ele explora por meio dos outros sentidos, enquanto realiza os exercícios programados e o cavalo está ao passo.
Os diversos movimentos que ocorrem numa sessão de equoterapia além de contribuírem para essa tomada de consciência de seu potencial motriz, ocorrem, geralmente, de uma forma bastante prazerosa.
Estimulação para o desenvolvimento tátil
Grifin e Gerber (1996, p. 15), em seu artigo Desenvolvimento tátil e suas Implicações na Educação de Crianças Cegas, ao se referirem ao desenvolvimento tátil de crianças cegas dizem que:
... a modalidade tátil é de ampla confiabilidade. Vai além do mero sentido do tato: inclui também a percepção e a interpretação por meio da exploração sensorial. Esta modalidade fornece informações a respeito do ambiente, menos refinadas que as fornecidas pela visão. As informações obtidas por meio do tato têm de ser adquiridas sistematicamente, e reguladas de acordo com o desenvolvimento, para que os estímulos ambientais sejam significativos. [...] A ausência da modalidade visual exige experiências alternativas de desenvolvimento, a fim de cultivar a inteligência e promover capacidades sócio-adaptativas. O ponto central desses esforços é a exploração do pleno desenvolvimento tátil.
O programa por nós desenvolvido e aplicado no atendimento equoterápico de crianças cegas privilegiou a estimulação tátil, pois desde o primeiro momento em que chegam ao local de realização das sessões, as crianças são estimuladas a efetuar o reconhecimento da área, o que chamamos de ambientação, e é por meio da experiência tátil e dos outros sentidos que a realizam.
Em seu primeiro contato com o animal, a criança, por meio da modalidade tátil poderá perceber sua forma, a textura do seu pelo, o calor de seu corpo, seus movimentos respiratórios, as diferenças dos pelos da crina e da cola, e aos poucos o reconhecimento dos equipamentos de montaria que serão utilizados durante as sessões. Esse procedimento é repetido em todas as sessões, para que a criança cega adquira o reconhecimento da estrutura e da relação das partes com o todo e também a consciência de qualidade tátil, importante para o seu desenvolvimento.
• Reforço e motivação
A esse respeito Figueira (1996, p. , diz o seguinte:
... em cada etapa do desenvolvimento uma capacidade emerge e é trabalhada pelo organismo, passando a ser integrada em uma escala crescente de desenvolvimento. Para que isto ocorra a criança necessita ser encorajada e reforçada pelos pais. Se não há reforço e motivação esta criança será invadida por uma sensação de insegurança e medo.
O desenvolvimento psicomotor se realiza pela combinação do prazer que a criança sente ao ter experimentado algo novo (uma aquisição motora e/ou sensorial) e o reforço familiar à aquisição feita.
Na equoterapia, os praticantes são encorajados e reforçados pelos membros da equipe que estão realizando a intervenção e, a todo momento, a cada ação realizada, a cada insegurança vencida, são estimulados a continuarem. Todo esse trabalho é realizado de forma a tornar o tempo em que permanecem montados o mais agradável e prazeroso possível, além de aproveitar todos os momentos e situações para o desenvolvimento dos outros sentidos.
• Aquisição ou reaquisição de esquemas motores e/ou mentais
As crianças cegas devem ter a oportunidade de vivenciar experiências totais de forma inteligente, ampla e generalizada que não somente compreendam conhecimento verbal e tátil dos objetos, mas também sua posição no espaço e no tempo, suas relações com a criança e com outros seres e objetos. Dessa forma ela vai se organizando, conhecendo e sentindo-se segura e confiante para se lançar em novas experiências (Figueira, 1996).
Nesse contexto o cavalo é um instrumento cinesioterapêutico, um ser vivente, dócil, que responde aos afetos que recebe, que tem vontade própria e que precisa ser dominado, para que o cavaleiro realize o manejo que desejar. Para Cittério (1999, p. 35): “A equoterapia poderá ser colocada num importante processo de aquisição ou reaquisição de esquemas motores e/ou mentais, no qual o indivíduo se tornará protagonista do momento reabilitador, um indivíduo ativo porque motivado pela relação com um outro ser vivente.”
Herzog (1989) relata que o cavalo pode ser um instrumento de acesso entre a realidade do praticante e a do terapeuta, funcionando ainda como intermediário entre o mundo intrapsíquico do praticante e o mundo exterior.
Assim, o cavalo proporciona ao praticante a criação de uma nova imagem corporal, devido às informações recebidas da montaria e à relação com a equipe, o que favorece a estruturação do eu. O deslocamento a cavalo, tendo pontos de referência (no nosso caso estímulos sonoros), exige a representação mental do gesto e do deslocamento.
O praticante deve respeitar o animal, fazendo com que ele compreenda aquilo que ele, praticante, decidiu sozinho. Isso faz com que o praticante que não fazia isso na vida cotidiana, o faça com o cavalo, resultando em uma revolução própria.
• Estimulação motora
Figueira (1996), quando reporta à assistência fisioterápica à criança cega congênita, reafirma que a melhor ajuda que a fisioterapia pode prestar é por meio da estimulação motora. A criança deve aprender a se movimentar, a conhecer seu corpo e ter prazer em se deslocar para descobrir o mundo que a cerca e dominar o espaço. A passividade impressa pela ausência da visão pode implicar alterações nas seguintes áreas: tônus muscular, postura, coordenação motora e psíquica, equilíbrio, orientação espacial, cinestésica e social.
O recurso mais apropriado é a cinesioterapia por meio de exercícios passivos, ativo-assistidos e ativo-livres, de acordo com o propósito em questão. A cinesioterapia, ou seja, terapêutica pelo movimento pode ser realizada pela estimulação auditiva, olfativa, gustativa, tátil, proprioceptiva e cinestésica, visando a desenvolver a consciência corporal, a coordenação motora, o equilíbrio, a correção postural, a marcha e a orientação no espaço.
A respeito dos ganhos em nível neuromotor, da equoterapia, Cittério (1992) relata que estes se evidenciam sobre o alinhamento corporal (cabeça, tronco, quadril), controle das simetrias globais, equilíbrio estático e dinâmico e que em nível psicológico percebe-se a melhora na capacidade de orientação e de organização espacial e também na capacidade executiva.
Na equoterapia o cavalo atua como agente cinesioterapêutico, facilitador do processo ensino–aprendizagem e como agente de inserção e reinserção social. Cittério (1999) aborda o assunto, afirmando que não devemos nos esquecer da hipótese comportamentalista na qual se baseia a equoterapia, método considerado como condicionamento motor impresso no ritmo e no comando, também chamado de “pedagogia em movimento” ou ainda “ciência do movimento”, e outros autores o tratam como “sistema de vida”.
Conclusão
Nossa pesquisa, o estudo de diferentes autores sobre cegueira e equoterapia propriamente ditas, proporcionou-nos importantes reflexões sobre esse recurso terapêutico, além da identificação de especificidades no atendimento à criança cega. O trabalho se deu fundamentado em princípios e na técnica da equoterapia desenvolvida e adaptada de acordo com nossa vivência durante nossa pesquisa e segundo a necessidade e potencialidade de cada praticante, objetivando seu desenvolvimento como um ser integral.
Além da estimulação dos outros sentidos, os resultados de nossa pesquisa apontam para uma melhora do relacionamento social do grupo, evidenciando os aspectos da comunicação, da atenção e das regras sociais, tanto no ambiente da equoterapia quanto fora dele.
Em relação aos efeitos da equoterapia sobre a psicomotricidade, ficou evidenciado uma melhora do grupo quanto ao equilíbrio e à postura do tronco ereto, o que implica também uma melhora do sentido de segurança. Os ganhos obtidos no aspecto do equilíbrio são muito importantes para o cego, pois a mobilidade do indivíduo que não possui a visão depende em muito desse sentido, cujo desenvolvimento necessita ser estimulado desde o nascimento.
Portanto, este estudo exploratório demonstra que a equoterapia é um recurso que contribui para a melhora de aspectos psicomotores e sociais de indivíduos com cegueira e, conseqüentemente, melhora sua qualidade de vida, respeitando-se o potencial e a fase de desenvolvimento em que se encontra o indivíduo.
Outra observação foi da importância do seguimento de um programa de atendimento adequado à cegueira, uma vez que requer técnicas de intervenção diferenciadas das aplicadas às outras necessidades especiais.
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