“A formação do caráter e a prática da virtude constituem a base da experiência e da Bioética.” Francesco Bellino.
Os
antigos filósofos gregos refletiam sobre a moral, os costumes, as leis,
a ciência e a ética. Propunham eles que cada atividade buscasse a
perfeição pelo conhecimento da realidade e da compreensão dos fins e dos
valores da vida. A ciência biomédica pode criar dilemas morais, quando
reflete sobre o que valia nos tempos antigos e o que vale atualmente,
mas não nega os valores fundamentais como os da vida e da liberdade. A
tecnologia biomédica pode nos ajudar a mudar de atitude frente a doentes
e às doenças, sempre com base nos valores mais profundos, justificando a
nova posição.
A Bioética , mais do que uma disciplina, é o espaço de
confronto de saberes sobre os problemas surgidos do progresso das
ciências biomédicas, das ciências humanas e das ciências da vida. Dessa
forma, envolvendo problemas muito complexos, a Bioética tem conotação
multidisciplinar com enfoques filosófico,biológico,jurídico, médico,
sociológico, teológico, ecológico, psicológico, genético.
Este enfoque
difere do multidisciplinar que conhecemos e, em geral, é sinônimo de um
grupo de profissionais de várias formações, que não interagem entre si e
que não funcionam como equipe. A Bioética tem uma proposta de
integração entre as disciplinas. Leia em "Mais Informações"...
“A
bioética é a disciplina ética que se formou em torno de pesquisas,
práticas e teorias que visam interpretar os problemas levantados pela
biotecnociência e pela medicina. Por isso, a bioética é necessariamente interdisciplinar...” Pegoraro, p75.
A
EQUOTERAPIA, método terapêutico e educacional que utiliza o cavalo para
o desenvolvimento biopsicossocial de pessoas com necessidades
especiais, preconiza o atendimento do cliente e de sua família por
diversos profissionais.
Entendemos que nenhum dos profissionais deve
ocupar o lugar de onde possa decidir as possibilidades de intervenção
sobre os problemas, sem observar os vários enfoques dos saberes que
buscam desenvolver a potencialidade do ser humano, numa uma expansão da
consciência histórica, na explicitação dos princípios e dos valores da
vida humana pessoal, animal, vegetal e até
cósmica.
Neste sentido, a
abordagem metodológica transdisciplinar auxilia nas decisões tomadas, na
medida em que é interpretada pela visão dos diferentes profissionais da
área de atendimento, pelos familiares e, em algumas situações, pelo
próprio praticante.
O progresso técnico traz a afirmação de uma nova
cultura, onde a ética do caráter sagrado do dom da vida, enfrenta a
ética da qualidade da vida que está centrada no respeito às escolhas
autônomas dos indivíduos e tem como objetivo o bem estar e a melhora na
qualidade da vida. As questões bioéticas, os dilemas profissionais,
surgem quando há crise de convicções éticas e ontológicas; quando são
refletidos/discutidos, o embasamento dos valores, as diferentes
concepções culturais, as crenças, a moral e as leis da sociedade.
Temos
que estar atentos para que a consciência ética não seja neutralizada
pela consciência técnica, que muitas vezes obedece a padrões econômicos,
nstitucionais e de poder. A Ética é uma qualidade do caráter e o
caráter se expressa no modo de agir de uns com os outros. É o fundamento
da condição do ser humano que reflete sobre si, sobre as mais complexas
relações e derivações de seu mundo, da história da humanidade, das
ciências e da tecnologia.
Na definição de Álvaro Valls, ética é
“tradicionalmente entendida como um estudo ou uma reflexão, científica
ou filosófica, e eventualmente até teológica, sobre os costumes ou sobre
as ações humanas”. Nas circunstâncias de atendimento na equoterapia,
vários profissionais atuam e cada profissão tem seu próprio código de
ética. A ética deontológica determina a forma de agir do profissional
com o seu cliente.
Entendemos que cada centro de equoterapia deve
definir a ética de atendimento, deve ter clara uma teoria de sustentação
para as ações concretas, que visam o desenvolvimento da dimensão, do
potencial do praticante. È evidente que essas diversas abordagens
conceituais dão origem a uma multiplicidade de metodologias
operacionais.
Isto diferenciará as ações, fundamentadas não somente na
qualidade técnica do profissional que atende, mas na qualidade pessoal,
humana de cada um e da equipe. A organização do trabalho, as regras
internas claras, geradas no consenso do grupo, trarão estímulo àqueles
que imprimem sentido a tudo que fazem, sejam eles os praticantes, os
seus responsáveis e os técnicos, desta forma possibilitarão o
reconhecimento da qualidade do centro. Para todos os envolvidos no
processo, o espaço do centro, de maneira holística, é um local de
aprendizado para a vida, não só para o praticante que se prepara para a
inserção em outros espaços sociais e de desenvolvimento.
É de
fundamental importância um grande envolvimento de todos que se inserem
no centro de equoterapia; - a preocupação com atitudes éticas e
moralmente correta; - o respeito aos padrões de direitos humanos e de
participação; - o respeito ao meio ambiente e ao animal. Em relação aos
centros congêneres, deve ser preservada a ética dos negócios, com
respeito mútuo, tendo em vista a singularidade da responsabilidade
social dos serviços prestados.
A publicação de trabalhos científicos e a
união de esforços junto à Associação Nacional de Equoterapia,
contribuirão para o reconhecimento da importância desta modalidade de
atendimento às pessoas com necessidades especiais e todos serão
beneficiados. Quanto aos trabalhos de pesquisa há que atentar para a
legislação pertinente e à ética na pesquisa, neste caso a bioética, uma
vez que todos os registros são sobre atendimentos, ações, interlocuções,
e vários aspectos da saúde física e comportamental de seres humanos.
Influenciada pelo filósofo Kant, a Bioética desenvolveu, como tentativa
de orientação prática, três princípios reguladores da assistência e da
pesquisa com o ser humano:Princípio da autonomia que manda respeitar as
decisões e convicções morais do usuário do serviço, após informar a
pessoa sobre todos os procedimentos terapêuticos ou de pesquisa, que
poderão ser ou não ser aplicados; Princípio da beneficência determinando
que as conseqüências de toda e qualquer intervenção sejam em benefício
da pessoa, fazer sempre o bem ao paciente é um dever da equipe de saúde.
Princípio da justiça, ordenando que todas as pessoas, usuárias do
serviço, sejam tratadas com eqüidade, sem diferenças quando se encontram
na mesma situação. Todos têm igual direito à saúde.
Em se tratando da
equoterapia, a autonomia é respeitada na medida em que os responsáveis e
o próprio praticante são informados das modalidades e do programa de
atendimento. Sabemos que a família e/ou responsável já estiveram em
outros serviços de saúde, trazendo bagagens de expectativas e de
frustrações em relação a tratamentos, contudo, não se pode assumir
atitude paternalista.
O estabelecimento da confiança inicial é básico
para fortalecer um vínculo com a equipe. Este aspecto moral da relação
está na origem da autoridade profissional e do respeito mútuo dos
participantes. Em entrevista com familiares ou responsáveis, são
colhidas as informações sobre as vivências anteriores e as dúvidas são
esclarecidas.
Após o trabalho de avaliação do cliente, realizada pelos
profissionais da equipe do centro de equoterapia, estudam-se as
possibilidades de tratamento, sem transferir a responsabilidade
profissional, compartilha-se a tomada de decisão. Obtendo-se
consentimento para trabalhar com a pessoa, reforça-se a necessidade de
real engajamento de todos e se define o cronograma de atendimento.
Devem
ser garantidos ambiente de segurança física e emocional, qualidade
técnica, ética e moral da equipe do centro de equoterapia, para que toda
a intervenção seja para o bem da pessoa. Quando há uma situação
conflitante, o que desconcerta aos envolvidos, é preciso se refletir
sobre as justificativas para a decisão tomada.
A fala dos profissionais
nestas ocasiões, deve ser de esclarecimento e não de imposição aos
demais, apontando com realismo e pesando as conseqüências na
circunstância concreta. Não pode haver um padrão de comportamento
rígido, há que se ver a diversidade e multiplicidade de opções e
escolher a de menor risco, de maior benefício para o praticante.
Sobre o
terceiro princípio , o da justiça, a bioética mais abrangente se refere
à instituição do Estado que é a responsável pela distribuição justa das
verbas para a saúde, para a pesquisa, para a educação,etc...Quanto ao
centro de equoterapia tem o sentido da obrigação de igualdade de
tratamento na esfera interpessoal e o de preocupação com o benefício do
praticante.
A dificuldade em precisar o que na realidade significa
justiça aponta para a busca da eqüidade, que é definida como “1.1
respeito à igualdade de cada um, que independe da lei positiva, mas de
um sentimento do que se considera justo, tendo em vista as causas e as
intenções.” HOUAISS.
Nós que trabalhamos com pessoas devemos estar
atentos aos benefícios das pesquisas e dos novos tratamentos, e aos
riscos de abusos a que todos os seres vivos, o ambiente e o universo
estejam, por desventura, submetidos. Os profissionais em atividade
transdisciplinar refletem a luz dos múltiplos conhecimentos da
humanidade o progresso das ciências biomédicas. Sendo a equoterapia um
tratamento para seres humanos com necessidades especiais, é recomendado
que se introduzam nos cursos de especialização o conceito básico da
ética e da bioética, nesta modalidade de cuidado.
Clair da Graça de Souza Zamo Enfermeira, Mestre em Educação e Doutoranda UFRGS.
Renata de Souza Zamo Instrutora de equitação em Equoterapia, Psicóloga e Especialista em Psicologia do Esporte.