25 de abril de 2012

Equoterapia: Ética e Bioética

“A formação do caráter e a prática da virtude constituem a base da experiência e da Bioética.” Francesco Bellino.

Os antigos filósofos gregos refletiam sobre a moral, os costumes, as leis, a ciência e a ética. Propunham eles que cada atividade buscasse a perfeição pelo conhecimento da realidade e da compreensão dos fins e dos valores da vida. A ciência biomédica pode criar dilemas morais, quando reflete sobre o que valia nos tempos antigos e o que vale atualmente, mas não nega os valores fundamentais como os da vida e da liberdade. A tecnologia biomédica pode nos ajudar a mudar de atitude frente a doentes e às doenças, sempre com base nos valores mais profundos, justificando a nova posição. 

A Bioética , mais do que uma disciplina, é o espaço de confronto de saberes sobre os problemas surgidos do progresso das ciências biomédicas, das ciências humanas e das ciências da vida. Dessa forma, envolvendo problemas muito complexos, a Bioética tem conotação multidisciplinar com enfoques filosófico,biológico,jurídico, médico, sociológico, teológico, ecológico, psicológico, genético. 

Este enfoque difere do multidisciplinar que conhecemos e, em geral, é sinônimo de um grupo de profissionais de várias formações, que não interagem entre si e que não funcionam como equipe. A Bioética tem uma proposta de integração entre as disciplinas. Leia em "Mais Informações"...



“A bioética é a disciplina ética que se formou em torno de pesquisas, práticas e teorias que visam interpretar os problemas levantados pela biotecnociência e pela medicina. Por isso, a bioética é necessariamente interdisciplinar...” Pegoraro, p75.

A EQUOTERAPIA, método terapêutico e educacional que utiliza o cavalo para o desenvolvimento biopsicossocial de pessoas com necessidades especiais, preconiza o atendimento do cliente e de sua família por diversos profissionais. 

Entendemos que nenhum dos profissionais deve ocupar o lugar de onde possa decidir as possibilidades de intervenção sobre os problemas, sem observar os vários enfoques dos saberes que buscam desenvolver a potencialidade do ser humano, numa uma expansão da consciência histórica, na explicitação dos princípios e dos valores da vida humana pessoal, animal, vegetal e até 
cósmica. 

Neste sentido, a abordagem metodológica transdisciplinar auxilia nas decisões tomadas, na medida em que é interpretada pela visão dos diferentes profissionais da área de atendimento, pelos familiares e, em algumas situações, pelo próprio praticante. 

O progresso técnico traz a afirmação de uma nova cultura, onde a ética do caráter sagrado do dom da vida, enfrenta a ética da qualidade da vida que está centrada no respeito às escolhas autônomas dos indivíduos e tem como objetivo o bem estar e a melhora na qualidade da vida. As questões bioéticas, os dilemas profissionais, surgem quando há crise de convicções éticas e ontológicas; quando são refletidos/discutidos, o embasamento dos valores, as diferentes concepções culturais, as crenças, a moral e as leis da sociedade. 

Temos que estar atentos para que a consciência ética não seja neutralizada pela consciência técnica, que muitas vezes obedece a padrões econômicos, nstitucionais e de poder. A Ética é uma qualidade do caráter e o caráter se expressa no modo de agir de uns com os outros. É o fundamento da condição do ser humano que reflete sobre si, sobre as mais complexas relações e derivações de seu mundo, da história da humanidade, das ciências e da tecnologia. 

Na definição de Álvaro Valls, ética é “tradicionalmente entendida como um estudo ou uma reflexão, científica ou filosófica, e eventualmente até teológica, sobre os costumes ou sobre as ações humanas”. Nas circunstâncias de atendimento na equoterapia, vários profissionais atuam e cada profissão tem seu próprio código de ética. A ética deontológica determina a forma de agir do profissional com o seu cliente. 

Entendemos que cada centro de equoterapia deve definir a ética de atendimento, deve ter clara uma teoria de sustentação para as ações concretas, que visam o desenvolvimento da dimensão, do potencial do praticante. È evidente que essas diversas abordagens conceituais dão origem a uma multiplicidade de metodologias operacionais. 

Isto diferenciará as ações, fundamentadas não somente na qualidade técnica do profissional que atende, mas na qualidade pessoal, humana de cada um e da equipe. A organização do trabalho, as regras internas claras, geradas no consenso do grupo, trarão estímulo àqueles que imprimem sentido a tudo que fazem, sejam eles os praticantes, os seus responsáveis e os técnicos, desta forma possibilitarão o reconhecimento da qualidade do centro. Para todos os envolvidos no processo, o espaço do centro, de maneira holística, é um local de aprendizado para a vida, não só para o praticante que se prepara para a inserção em outros espaços sociais e de desenvolvimento. 

É de fundamental importância um grande envolvimento de todos que se inserem no centro de equoterapia; - a preocupação com atitudes éticas e moralmente correta; - o respeito aos padrões de direitos humanos e de participação; - o respeito ao meio ambiente e ao animal. Em relação aos centros congêneres, deve ser preservada a ética dos negócios, com respeito mútuo, tendo em vista a singularidade da responsabilidade social dos serviços prestados. 

A publicação de trabalhos científicos e a união de esforços junto à Associação Nacional de Equoterapia, contribuirão para o reconhecimento da importância desta modalidade de atendimento às pessoas com necessidades especiais e todos serão beneficiados. Quanto aos trabalhos de pesquisa há que atentar para a legislação pertinente e à ética na pesquisa, neste caso a bioética, uma vez que todos os registros são sobre atendimentos, ações, interlocuções, e vários aspectos da saúde física e comportamental de seres humanos.

Influenciada pelo filósofo Kant, a Bioética desenvolveu, como tentativa de orientação prática, três princípios reguladores da assistência e da pesquisa com o ser humano:Princípio da autonomia que manda respeitar as decisões e convicções morais do usuário do serviço, após informar a pessoa sobre todos os procedimentos terapêuticos ou de pesquisa, que poderão ser ou não ser aplicados; Princípio da beneficência determinando que as conseqüências de toda e qualquer intervenção sejam em benefício da pessoa, fazer sempre o bem ao paciente é um dever da equipe de saúde. Princípio da justiça, ordenando que todas as pessoas, usuárias do serviço, sejam tratadas com eqüidade, sem diferenças quando se encontram na mesma situação. Todos têm igual direito à saúde. 

Em se tratando da equoterapia, a autonomia é respeitada na medida em que os responsáveis e o próprio praticante são informados das modalidades e do programa de atendimento. Sabemos que a família e/ou responsável já estiveram em outros serviços de saúde, trazendo bagagens de expectativas e de frustrações em relação a tratamentos, contudo, não se pode assumir atitude paternalista. 

O estabelecimento da confiança inicial é básico para fortalecer um vínculo com a equipe. Este aspecto moral da relação está na origem da autoridade profissional e do respeito mútuo dos participantes. Em entrevista com familiares ou responsáveis, são colhidas as informações sobre as vivências anteriores e as dúvidas são esclarecidas. 

Após o trabalho de avaliação do cliente, realizada pelos profissionais da equipe do centro de equoterapia, estudam-se as possibilidades de tratamento, sem transferir a responsabilidade profissional, compartilha-se a tomada de decisão. Obtendo-se consentimento para trabalhar com a pessoa, reforça-se a necessidade de real engajamento de todos e se define o cronograma de atendimento. 

Devem ser garantidos ambiente de segurança física e emocional, qualidade técnica, ética e moral da equipe do centro de equoterapia, para que toda a intervenção seja para o bem da pessoa. Quando há uma situação conflitante, o que desconcerta aos envolvidos, é preciso se refletir sobre as justificativas para a decisão tomada. 

A fala dos profissionais nestas ocasiões, deve ser de esclarecimento e não de imposição aos demais, apontando com realismo e pesando as conseqüências na circunstância concreta. Não pode haver um padrão de comportamento rígido, há que se ver a diversidade e multiplicidade de opções e escolher a de menor risco, de maior benefício para o praticante. 

Sobre o terceiro princípio , o da justiça, a bioética mais abrangente se refere à instituição do Estado que é a responsável pela distribuição justa das verbas para a saúde, para a pesquisa, para a educação,etc...Quanto ao centro de equoterapia tem o sentido da obrigação de igualdade de tratamento na esfera interpessoal e o de preocupação com o benefício do praticante. 

A dificuldade em precisar o que na realidade significa justiça aponta para a busca da eqüidade, que é definida como “1.1 respeito à igualdade de cada um, que independe da lei positiva, mas de um sentimento do que se considera justo, tendo em vista as causas e as intenções.HOUAISS

Nós que trabalhamos com pessoas devemos estar atentos aos benefícios das pesquisas e dos novos tratamentos, e aos riscos de abusos a que todos os seres vivos, o ambiente e o universo estejam, por desventura, submetidos. Os profissionais em atividade transdisciplinar refletem a luz dos múltiplos conhecimentos da humanidade o progresso das ciências biomédicas. Sendo a equoterapia um tratamento para seres humanos com necessidades especiais, é recomendado que se introduzam nos cursos de especialização o conceito básico da ética e da bioética, nesta modalidade de cuidado.

Clair da Graça de Souza Zamo Enfermeira, Mestre em Educação e Doutoranda UFRGS. 

Renata de Souza Zamo Instrutora de equitação em Equoterapia, Psicóloga e Especialista em Psicologia do Esporte.