Em todo o mundo, o eqüino é hospedeiro habitual de uma ampla gama de parasitos nematóides, entre outros, cuja maturação ocorre no intestino grosso, sendo os pequenos estrôngilos (ciatostomíneos) os de maior importância econômica. As larvas dos pequenos estrôngilos são bastante resistentes e estão presentes no pasto por praticamente o ano todo e, mesmo com rigorosas medidas preventivas, muitos cavalos são infectados. Leia em "Mais Informações".
Os sinais clínicos observados nos animais infectados por esses pequenos estrôngilos são caracterizados por mau aproveitamento nutricional (esses parasitos interferem com a digestibilidade da matéria seca), pêlos eriçados e sem brilho, podendo evoluir para quadros mais graves, como diarréia e, eventualmente, morte, principalmente nos casos de cistostomíase larval.
O interesse nos pequenos estrôngilos vem crescendo dramaticamente nesses 10 a 15 anos; muitos estudos tem sido realizados a respeito da biologia e patologia desse parasito, bem como a epidemiologia do mesmo, e seu papel no parasitismo clínico, incluindo o seu controle.
Lichtenfels simplificou a taxonomia dos pequenos estrôngilos, reclassificando-os na família Cyathostominae, descrevendo seis gêneros e 29 espécies na América do Norte. Hoje, existem mais de 40 espécies descritas em eqüinos domésticos, sendo morfologicamente similares, especialmente na fase larval .
Todos tem ciclo direto, envolvendo um período de desenvolvimento externo, usualmente no pasto. Os ovos postos pelas fêmeas adultas, presentes no ceco e intestino grosso, são eliminados pelas fezes do cavalo (hospedeiro), e irão se desenvolver no ambiente, passando por dois estágios larvais intermediários até atingir a fase infectante, ou L3. Essa, ao ser ingerida, invade a parede do intestino alojando-se na mucosa ou sub-mucosa, levando a um acúmulo de fibroblastos ao seu redor, tornando-se, portanto, encistadas. Esses cistos são tanto mais exuberantes quanto mais profundos estiverem na sub-mucosa. Uma vez encistada, a larva evoluirá, desenvolvendo-se em L4, também encistada, abandonando, posteriormente, o cisto e evoluindo a L5/ adultos machos e fêmeas no lúmen intestinal, acasalando-se e produzindo ovos, reiniciando assim o ciclo (Ogbourne, 1978).
Mais raramente, por um mecanismo ainda não bem explicado, essas larvas encistadas podem entrar em desenvolvimento retardado, ou hipobiose (Klei, 1994). A persistência da larva L3 por um longo estágio inibido foi inicialmente observada por Eysker (1984) e, de acordo com Reynemeyer, a fase L4, quando hipobiótica, pode durar de 2 a 30 meses. Convém lembrar que, em situações normais, o ciclo evolutivo desse parasito é de aproximadamente 60 dias.
Existe correntemente alguma confusão quanto a terminologia atribuída aos diversos estágios larvais dos pequenos estrôngilos; assim, alguns autores denominam larvas encistadas somente aquelas hipobióticas, o que, em termos de relação parasito-hospedeiro, não é aplicável, mesmo porque, conforme visto no ciclo evolutivo do parasito, o encistamento é um fenômeno normal e, portanto, esperado.
Evidentemente que, quando presentes encistadas na parede intestinal, as larvas determinam uma patologia irritativa que leva a alguns dos sintomas descritos anteriormente. Quando, eventualmente, entram em hipobiose ou desenvolvimento retardado, muito provavelmente são assintomáticas, exceto quando, por algum motivo (remoção dos adultos, por exemplo), reassumem o ciclo, abandonando os cistos e, aos milhares, atingem o lúmen intestinal, provocando uma enterite, não maturando a adultos, já que são eliminadas pelo aumento da motilidade intestinal, sendo, portanto, encontradas livres nas fezes.
Trata-se, então, da temida ciatostomíase larval, muitas vezes, fatal, sobretudo em potros novos. Os adultos livres no lúmen determinam uma enterite moderada com diarréia, porém são facilmente removíveis pelo tratamento anti-helmíntico.
As formas larvares encistadas não hipobióticas ou requerem tratamentos durante vários dias de fármacos convencionais para serem eliminadas (Duncan, 1998) ou, então, requerem a adoção terapêutica de lactonas macrocíclicas, como as avermectinas/milbemicinas, compostos esses capazes de promover, com uma só dosagem, a eliminação dessas formas, sobretudo as fases L3 tardia e L4 subseqüente.
Já quando se consideram as formas encistadas hipobióticas, essas tendem a não sofrer o efeito de nenhuma molécula, quer seja convencional ou sofisticada, mesmo que se utilizem as lactonas macrocíclicas citadas, uso padrão ou em dosagens maiores. Essa total refratariedade aos tratamentos é diretamente proporcional a precocidade do estágio larval hipobiótico, ou seja, uma L3 hipobiótica precoce é menos sensível que uma L3 hipobiótica tardia ou uma L4 hipobiótica. A pouca sensibilidade das formas hipobióticas aos tratamentos provavelmente deve-se ao fato que, nessa condição, o metabolismo do parasito está praticamente reduzido a sua mínima expressão, mantendo muito pouco contato com o ambiente tecidual que o alberga.
Em suma, o controle parasitário em eqüinos deve contemplar a adoção de fármacos modernos, os quais preferencialmente devem ser utilizados parcimoniosamente, dentro da racionalidade e obedecendo ao padrão epidemiológico local. Um esquema apropriado de manejo dos animais, pastagem, remoção de fezes e manobras terapêuticas estratégicas objetivando a remoção global de parasitos, além dos pequenos estrôngilos, deve ser, portanto, priorizado.
Deve-se evitar a confusão terminológica para que não sejam criadas expectativas de controle as quais, posteriormente, podem não se concretizar.
* Médico veterinário, MSc Hospital Veterinário Prof. Salles Gomes, Jundiaí-SP.