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13 de julho de 2011

A Essência da Equitação Clássica


Tenho pena de não ter tido com quem partilhar algumas destas preciosas descobertas equestres. Tive no entanto a sorte de fazer dos cavalos a minha profissão e de viver em Portugal numa altura em que a tradição da arte equestre ainda se impunha. Também pude usufruir do acesso a uma das grandes bibliotecas e livrarias da Inglaterra, a de Grey Way em Newmarket e a de J.A.Allen em Londres, a quem devo muito, particularmente na pesquisa para o meu livro "Dressage, The Art of Classical Riding".


Na Europa todos temos a sorte de ter acesso a uma rica herança de conhecimentos e filosofia equestres. O cavalo influenciou todos os aspectos da vida desde o início das civilizações até ao início do nosso século. É freqüente esquecermo-nos que só nas últimas décadas é que a equitação se tornou um desporto ou um ‘hobby’, em vez de uma forma de vida. Desde que o montar a cavalo deixou de ser só uma forma de sobrevivência, divulgando-se como arte em países como a Grécia Antiga e mais recentemente em Itália, Áustria, França e Portugal, muito tem sido escrito por pessoas cuja única ocupação na vida era a cultura dessa arte. Leia Em "Mais Informações "


Como é hoje diferente a situação! Existem pouquíssimas pessoas cuja vida depende ou gira em volta do cavalo. O cavaleiro de hoje passa num mês o mesmo tempo a cavalo que os nossos antepassados passavam numa manhã!

Apesar desta verdade óbvia, existe entre os cavaleiros de hoje uma tendencia alarmante para fazerem troça da tradição e até da palavra escrita. No entanto, nenhum estudante de música, de arquitectura ou até de culinária sonharia em aprofundar a sua disciplina escolhida sem recorrer à teoria, fazendo-o até com reverência.

Para se perceberem certas leis e princípios essenciais à boa equitação é necessário recorrer-se também à teoria. É uma realidade que de tempo a tempo aparecem cavaleiros/as tão dotados que podem, virtualmente, atirar com a teoria aos quatro ventos, mas, a maioria de nós tem que trabalhar um pouco mais se quiser montar em verdadeira harmonia.

É necessário que haja um verdadeiro entendimento das forças de gravidade que influenciam a posição do cavaleiro no arreio, assim como dum conhecimento crucial da anatomia e reflexos do cavalo propriamente dito para que ele possa ser treinado correcta e humanamente.

Só com encorajamento e elogios é que o cavalo pode adquirir verdadeira confiança no seu cavaleiro, de forma a poder sobrepor-se às suas  inibições naturais em relação a objectos, sons e odores pouco familiares.

Os autores antigos eram muito versados na teoria da equitação por ela ser uma ciência viva, transmitida de pais para filhos e de mestre para aprendiz, durante muitos séculos. É óbvio que existiam diferenças culturais - tal como em qualquer ciência - mas a maioria concordava firmemente com os mesmos princípios.

Os grandes mestres deixaram estes princípios escritos para a posteridade e não tinham só amplos conhecimentos dados pela experiência e filosofia dos seus antepassados, como viviam no meio dos cavalos, montando e treinando do nascer ao pôr do sol. Houve um mestre português do Séc.XVIII, o Marquês de Marialva, que era conhecido por montar 12 cavalos por dia quando tinha 70 anos!
 
Estes cavaleiros tinham tal prática que desenvolviam a arte enquanto trabalhavam em conjunto, preocupando-se em partilhar e discutir as suas experiências, o que levava a uma uniformidade de ideias que parece faltar nos tempos modernos. O facto dos autores modernos terem podido herdar esta riqueza de conhecimentos e de os poderem pôr em linguagem corrente para aqueles que não têm tempo ou acesso a livros do passado, deve ser apoiado.

Também é de encorajar os que passaram por experiências obtidas sob o ensino de grandes mestres como Nuno de Oliveira, e Alois Podhajsky. Hoje quanto mais simples for a linguagem, melhor uma vez que a falta de tempo para estudar e de oportunidades para montar vários cavalos por dia é cada vez maior.

É bastante óbvio que vários autores adquiriram verdadeira experiência ao longo dos anos, com uma variedade de cavalos e um mundo de situações. Os seus livros têm lógica, com uma abordagem cheio de bom senso; As explicações claras como o
cristal. O trabalho dos ‘entendidos’ de cadeirão é geralmente imperfeito nos pontos mais importantes. Deve evitar-se tudo o que sobressaia pelas suas ideias pouco claras e conflituosas, por mais enfáticas que sejam.

Creio que ensinar ou escrever equitação deve ser uma coisa viva - é demasiadamente fácil acreditar na memória esquecendo o que se sente ao conseguir um movimento bem executado. Não sou a primeira autora a admitir que quando se sente confusa sobre qualquer aspecto do ensino, escuta o cavalo, que iluminará o caminho a seguir. Sem esta interacção contínua entre a prática e a teoria, o retractar da teoria pode tornar-se facilmente enganosa e falsa.

Nesta matéria concordo com o autor inglês J.G.Peters, que escreveu no seu "Teatrise of Equitation on The Art of Horsemanship in London 1835": ‘para os que têm estado a montar sob a instrução de mestres conceituados e que se consideram também mestres, é necessário salientar para os que querem tornar-se mestres ou ganhar a sua vida como cavaleiros, que deveriam montar pelo menos 3 a 4 horas por dia sob a instrução directa de um instrutor capaz.

Esta experiência e prática será a única forma de se conseguirem formar e ter conhecimentos sobre esta elegante arte.’ Infelizmente poucos são os que podem fazer isto hoje em dia, mas quantas mais horas se passam no arreio mais consciente se fica das complexidades da boa equitação.

Recentemente, ao participar num estágio de dressage tive que montar 18 cavalos num dia. Quando enfiei as minhas pernas doridas na banheira de água quente, resmunguei - mas, mais tarde apercebi-me de como tinha sido privilegiada. Todos os cavalos nos ensinam qualquer coisa.

Na continuação deste artigo seleccionarei e explicarei excertos preferidos de livros de muitos autores que espero chamem a
atenção dos leitores. Compreender a equitação é como percorrer um longo caminho que pode ser escuro, cansativo e enganoso, a menos que se
abram portas no seu percurso. A partir do momento em que as résteas de luz se transformam em fachos é muito mais fácil seguir em frente com certeza e confiança.

‘O cavalo é muito dócil e afectuoso, capaz de ser ensinado e não esquecendo qualquer impressão que tenha gravado na memória. É mais atento do que qualquer outro animal, aguentando o trabalho com a maior das fomes. É naturalmente dado a muita limpeza, tendo excelente olfacto. Nada o ofende mais que os maus cheiros.’ (Gervase Markham, The Complete Horseman).
 
Amor é uma palavra pouco utilizada em equitação. Muitos consideram-na ‘lamechas’ e sentimental demonstrar amor pelos cavalos. No entanto, aqui, um militar que competiu nos Jogos Olímpicos exprimiu a necessidade dele sem reservas.

Mais adiante, no mesmo parágrafo a linguagem torna-se um pouco mais densa (provavelmente devido a dificuldades de tradução) ao explicar um aspecto muito importante do treino que é muitas vezes esquecido: ‘O cavalo foi capaz de avaliar a bondade do cavaleiro pelo facto deste estar atento à mais leve indicação de resposta às suas ajudas, para encontrar uma oportunidade para o recompensar e da sua magnanimidade ao esquecer-se de o castigar quando o erro se devia a trapalhice ou falta de compreensão?’ (Waldermar Seunig, Horsemanship).

Supõe-se que vivemos em tempos iluminados, no entanto ainda é habitual culpar-se o cavalo pelos erros cometidos.
Quantas vezes vemos cavaleiros de ‘primeira’ recusarem-se a encontrar uma oportunidade para afagar, concentrando-se nas imperfeições? Quantos vezes são os cavalos castigados através da embocadura, das esporas etc., em todas as pistas de aquecimento deste país? É frequente estes castigos, acompanhados duma atitude descontente e rancorosa, destruírem toda a confiança natural e alegria do animal.

Uma vez não demonstrado o amor suficiente as nossas competições apresentam-se demasiadamente cheias de cavalos que trabalham como máquinas, com os seus caracteres e sentimentos destruídos para sempre.
Aprendamos com os grandes autores. Segundo as palavras do Coronel A. Podhajsky, aceitemos que os nossos cavalos sejam os nossos professores.

O seu livro "Os Meus cavalos, Meus Professores" trará lágrimas aos vossos olhos. Vale a pena fixarmo-nos sobre esta máxima: ‘Um bom carácter é uma condição absolutamente necessária para que homem e animal consigam um objectivo elevado.

Uma antiga lei equestre diz-nos que os erros de conformação são mais fáceis de corrigir do que os de carácter. A equitação é essencialmente uma questão de carácter sendo o valor educativo deste desporto conhecido e sublinhado através dos séculos.

Mas só quando existe o bom carácter inicialmente em ambos é que ele se pode tornar mais nobre pela cooperação bem sucedida entre cavalo e cavaleiro. Não é possível transformar latão em ouro.’

Antes de tentarmos melhorar os cavalos devemos procurar melhorar a nossa atitude e cáracter. Só assim poderemos começar a compreender a psicologia dos nossos cavalos.

Autora : Sylvia Loch 

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