Final do ano é aquela correria: já competimos nas provas de encerramento da temporada, terminam as aulas, temos as festas de encerramento de ano, começa o verão com aquele calor. Sendo assim, ocorre um verdadeiro êxodo de animais dos Clubes Hípicos para qualquer lugar que o proprietário encontre para soltá-lo assim que termina a última prova do ano. As razões para isso são variáveis; descansar o cavalo de uma temporada estressante, viagem dos proprietários, contenção de gastos com Clubes caros, o calor e a poeira que nessa época deixam o nosso esporte menos agradável, etc. Assim a grande maioria dos cavalos de esporte nacionais passam parte de Dezembro e muitas vezes todo o mês de Janeiro soltos em Haras e piquetes da região. Leia em "Mais Informações"
E nessa hora tudo pode acontecer: Desde acidentes nos piquetes, pelo fato de os animais não estarem acostumados a serem soltos e saírem correndo descontroladamente (esse comportamento normalmente acaba depois de uns 3-4 dias); ou por colocação de animais desconhecidos juntos (mas que todos os donos garantiram que eram "bem mansinhos"), até problemas digestivos em função da troca da alimentação, que alguns estabelecimentos de pensionato promovem para facilitar o trato da grande quantidade de animais de diferentes origens que chegam para o verão.
Se seu animal sobreviveu bem a todos os riscos inerentes à soltura em pasto de um cavalo atleta que passou todo o ano estressado dentro de uma baia no Clube, está chegando a hora de voltar ao trabalho!
Quais são os cuidados que devemos tomar para que nossos cavalos, já com a mente mais arejada e a musculatura relaxada, possam voltar a trabalhar, competir e manterem o pique de performance durante essa nova temporada? A metodologia de retorno ao trabalho é um fator muito importante para a manutenção do rendimento de seu cavalo pelo ano inteiro.
1. Check up Veterinário:
Normalmente os pequenos problemas físicos que a grande maioria dos cavalos atletas possuem melhoram bastante após esse período de repouso. O que não quer dizer que tenham desaparecido. Uma boa avaliação física do animal por seu veterinário, com relação aos problemas conhecidos e um simples exame de hemograma para avaliação e detecção de qualquer alteração antes de voltar ao trabalho são uma ótima idéia.
Aproveite essa época para refazer todas as vacinações, que por vezes dão algum tipo de reação, o que poderia atrapalhar em épocas de competição e não se esqueça de pedir ao seu veterinário que carimbe as vacinas no passaporte para não ter de sair correndo atrás dele nas vésperas das primeiras provas.
Desvermine seu cavalo com um vermífugo de qualidade assim que ele chegar no Clube, uma vez que seguramente ele adquiriu algum tipo de verminose na pastagem, especialmente em pastagens coletivas.
Cheque os dentes de seu animal para evitar atrasos no trabalho por conta de pontas e dentes com problemas.
2. Check up dos Cascos:
A velha máxima "sem casco, sem cavalo", fica mais do que nunca em evidência nessa hora. A maioria dos Haras exige que os cavalo fiquem desferrados ao menos dos posteriores para evitar acidentes. Normalmente os ferreiros que trabalham em Haras não são os mesmos que trabalham nos Clubes e ainda por cima desconhecem especificidades de cada animal que só a pessoa que o ferra corriqueiramente e seu veterinário sabem.
Assim é comum acontecerem alguns problemas:
- Cascos quebrados sem nenhum tipo de casqueamento nos Haras.
- A perda de uma ferradura e a não recolocação ou retirada da outra, desequilibrando o animal.
- Casqueamento e mesmo novo ferrageamento por ferreiros que não conhecem o cavalo e que diminuem muito os cascos ou abaixam muito os talões, novamente desequilibrando o animal.
Revise muito bem com seu ferreiro os quatro cascos de seu cavalo no retorno, para vocês avaliarem as condições dos cascos e como seu cavalo poderá ser referrado para o início do trabalho. Muitas vezes os cascos se quebram muito e só retomam o formato ideal após dois ou três ferrageamentos. Leve isso em conta quando começar a exigir de seu animal um trabalho mais forte.
3. Check Up da Pelagem
Cavalos que ficam soltos em regiões de muita chuva podem desenvolver um tipo de apodrecimento da pelagem das costas com descamação da pele e algum prurido. Esse problema é facilmente revertido ao se estabular o cavalo novamente, mas convém examiná-lo para distinguir de problemas mais graves como micoses, que ele pode ter adquirido de outros cavalos e passar adiante através dos materiais de escovação e encilhamento.
Cavalos com grande área de pele cor de rosa, encontrada sob os pelos brancos nas marcações de face e no corpo de cavalos da raça Paint Horse e Appaloosa, têm grande possibilidade de sofrerem queimaduras solares nesses locais quando expostos ao sol forte do verão. Esses locais ficam bastante sensíveis e doloridos e muitas vezes o cavalo reage à escovação e colocação de arreamentos.
Observar se não há presença de carrapatos que devem ser eliminados de pronto. Os lugares de eleição são dentro das orelhas, na base das crinas, axilas e parte interna da coxa.
4. Check up de Estado Físico Geral
Podem acontecer 3 opções:
- o cavalo voltou com o mesmo peso que saiu
- o cavalo voltou mais magro do que saiu
- o cavalo voltou mais gordo do que saiu
Dificilmente o cavalo volta com a mesma condição física com que saiu porque sem o exercício ele tende a perder massa muscular e a parecer mais magro.
Se estiver um pouco mais fino do que quando saiu, seria a condição ideal para o retorno ao trabalho. Em pouco tempo a musculatura vai recobrar a força e o volume e o cavalo não vai carregar peso extra nos ossos e articulações durante seu recondicionamento.
Se estiver muito magro, tome cuidado para não exagerar na alimentação e suplementos mirabolantes, no afã de engordar o cavalo rapidamente. Provavelmente você vai causar algum tipo de problema digestivo como cólicas ou diarréias e sobrecarregar o fígado desse cavalo com excesso protéico, o que é muito prejudicial. Alimente-o com uma dieta e suplementação calculada para o peso que ele tinha antes de ser solto. O retorno ao peso original será gradativo e sem problemas digestivos.
O pior cavalo é o que volta gordo. Esse animal está com peso acima do ideal e ainda terá que entrar em forma, o que será bem mais penoso carregando um excedente de peso. Esse cavalo força a musculatura e as articulações já no início da temporada e está propenso a ter mais problemas ao longo do ano do que o que voltou magro.
Lembre-se que a troca ou introdução de qualquer tipo de alimento para seu cavalo deve ser feita de forma lenta e gradual para evitar cólicas e outros problemas digestivos.
5. Início do Condicionamento Físico:
A primeira coisa é planejar com antecedência a data da primeira prova que se quer entrar e trazer o cavalo com tempo suficiente para um mínimo de condicionamento. É claro que para um cavalo treinado voltar ao serviço é como andar de bicicleta. Ele não esqueceu e provavelmente vai atender o cavaleiro em 90% das ordens. Aí que mora o perigo, porque o cavaleiro fica animado em e passa do giro, correndo o risco de machucar seu cavalo logo de início.
O ideal é trazer o cavalo no mínimo 5 semanas antes das provas de início de temporada que normalmente são mais leves, competir em uma categoria inferior e trabalhar em um esquema de recondicionamento atlético.
O primeiro princípio básico é o de carga progressiva - cada nível de treinamento é mantido até que o corpo se adapte a esta carga, quando então um aumento de carga pode ser aplicado. Excesso de trabalho em tempo demasiado curto vai sobrecarregar principalmente as estruturas dos membros.
Outro princípio é o da especificidade - para cada disciplina eqüestre, a performance é obtida através do treinamento de músculos e sistemas envolvidos na disciplina. Ou seja, o treinamento deve ser focado nas demandas específicas do esporte. Uma base sólida de condicionamento cardiovascular e força muscular é provida por sessões regulares e controladas de trabalho ao passo, trote e galope.
Assim, o retorno ao trabalho pode ser dividido em duas fases:
Fase Básica: condicionamento cardiovascular
Fase Específica: treinamento dos requerimentos específicos de cada disciplina (salto, adestramento, enduro, etc)
A regra dourada é iniciar lentamente, com aumento gradual de velocidade (intensidade) e duração (distância). Estudos provaram que o eqüino tem um aumento substancial na capacidade aeróbica máxima já aos 7 dias de treinamento. Esse aumento na capacidade aeróbica leva a um aumento da capacidade de resistência - o cavalo trabalha por mais tempo antes de cansar. Modificações no metabolismo muscular permitem que os estoques de energia sejam utilizados mais eficientemente com o condicionamento.
Deve-se ter em conta que as adaptações nas estruturas de suporte (ossos e tendões) ocorre em velocidade menor do que a adaptação da capacidade aeróbica. Assim, a cada aumento de intensidade de trabalho é importante monitoração dos membros e redução dos níveis de trabalho a qualquer sinal de dor, calor ou inchaço.
Sugestão de esquema de trabalho:
Você pode começar pela manhã com trabalho na guia de leve de 15 minutos preferentemente ao trote, somado a passeio montado no período da tarde ao passo por até trinta minutos.
Depois, pode ir aumentando o trabalho na guia até 20 minutos e à tarde alterne 5 min passo e 5 min de trote, mantendo os 30 minutos.
Com o tempo elimine o trabalho de guia e pode começar a anexar ao trabalho montado o galope em períodos curtos de tempo, sempre seguido de um período de pelo menos 5 minutos de passo antes de mudar de mão e repetir o trabalho. Esse trabalho aeróbico não deve passar dos 30 minutos nos primeiros 15 dias. O aumento de intensidade do trabalho não deve ultrapassar os 5% a cada 4 dias.
Durante o trabalho de passo aproveite para voltar a condicionar a musculatura das costas e pescoço de seu animal, pedindo movimentos laterais em curtos espaços de tempo, fazendo círculos e oitos de diferentes tamanhos e aumentando e reduzindo a amplitude do passo.
Quando começar a trabalhar os exercícios específicos - salto, movimentos avançados de adestramento, etc - siga o princípio de que um dia de trabalho mais forte e específico deve ser seguido de um dia de trabalho leve da musculatura forçada, para que esta se relaxe e possa se desenvolver corretamente.
Lembre-se de que a meta final do condicionamento é a manutenção da condição atlética máxima com prevenção das lesões tanto a curto como a longo prazo. Portanto tenha calma e preste atenção aos sinais que seu próprio animal dá a você.
Dra. Adriana Busato é Médica Veterinária, Professora Adjunta de Equídeocultura na PUC-PR, Juíza da ABCCH e proprietária do HARAS FB onde cria BH e Hanoverianos. Apresenta e compete com seus animais em Salto em Circuito Nacional Amador.
Fone: (041) 352-4628 / e-mail: haras_fb@harasfb.com.br