Como as pessoas se relacionam com o mundo, como aprendem e como conseguem resolver problemas, ainda é uma incógnita para muitos estudiosos.
O porquê da Equoterapia apresentar tão bons resultados também é, para muitos, algo que não se explica facilmente. O objetivo deste artigo, é exatamente, tentar esclarecer algumas dessas questões, utilizando a relação que acredito existir entre o Conexionismo, que procura explicar como as informações são processadas no cérebro, e a atividade equoterápica, que utiliza o cavalo com fins terapêuticos.
Dentro dessa última, também será abordado o trabalho fonoaudiológico, sob o prisma conexionista. Para tanto, é necessário que possamos conhecer um pouco mais acerca dos dois principais assuntos: o Conexionismo e a Equoterapia, o que são e como podem interligar-se. Comecemos pelo primeiro a ser registrado: a Equoterapia, a qual teve sua primeira citação feita por Hipócrates em 377 a.C..
Mas, o que é Equoterapia? A Associação Nacional de Equoterapia (ANDE - BRASIL) em seus anais do I Congresso Nacional de Equoterapia, realizado em 1999, define essa terapia como "(...) um método terapêutico e educacional que utiliza o cavalo dentro de uma abordagem interdisciplinar nas áreas de saúde, educação e equitação, buscando o desenvolvimento biopsicossocial de pessoas portadoras de deficiência e/ou com necessidades especiais" Cabe ressaltar que a Equoterapia é reconhecida como método terapêutico pelo Conselho Federal de Medicina, desde 1997.
Embora o citado acima, como toda definição de prática, não abarque tudo o que é a Equoterapia, tentarei esclarecer e embasar alguns pontos.
1) Por que o cavalo? O cavalo é utilizado com fins terapêuticos, devido a sua docilidade, porte, força, por se deixar montar e, com isso, estabelecer um vínculo importante com o praticante (como é chamado o paciente na Equoterapia). É através do cavalo que o mesmo, gradualmente, desenvolve um contato diferenciado com o mundo que o cerca, graças à confiança recíproca estabelecida. Além disso, ao passo, o dorso do cavalo realiza um movimento tridimensional, o qual, é semelhante ao realizado pelo homem quando caminha. Esse movimento é transmitido ao cérebro do praticante pelas inúmeras terminações nervosas aferentes que possui, e o cérebro, por sua vez, manda informações ao corpo, para que novos ajustes motores sejam realizados.
2) Quais os profissionais que trabalham com Equoterapia? O instrutor de equitação, por ser aquele que entende mais do cavalo, é peça chave do trabalho. Juntam-se a ele profissionais das áreas da saúde e educação, tais como fisioterapeuta, psicólogo, terapeuta ocupacional, pedagogo, médico, educador físico, fonoaudiólogo, dentre outros profissionais. É isto que dá o caráter interdisciplinar ao trabalho, apontado pela ANDE - BRASIL (op. cit.). Uma equipe formada com alguns ou todos estes profissionais, é capaz de ter uma visão mais global do praticante e, assim, vê-lo como um todo e assistí-lo globalmente .
3) Quais os benefícios desta terapia? A Equoterapia propõe às pessoas, novas experiências e situações ricas em desafios que venham a contribuir para o desenvolvimento e o aprimoramento de suas potencialidades. Facilita a organização do esquema corporal e aquisição das estruturas têmporo-espaciais; estimula a aprendizagem, memorização e concentração, trabalha a cooperação, socialização e espírito de grupo; regula o tônus muscular, além de estimular o equilíbrio e a boa postura corporal.
O francês René Garrigue (I Congresso Brasileiro de Equoterapia, 1999) ainda acrescenta o aumento da autoconfiança e do autocontrole. 4) Quais as indicações para esta terapia? A Equoterapia é indicada para dificuldades de aprendizagem nas áreas de leitura, escrita, matemática, compreensão e expressão. Também se aplica, nos distúrbios de comportamento, tais como dificuldade de socialização e/ou limite, intolerância à frustração, agressividade, baixa-estima, psicose, autismo, hiperatividade e estresse. Por fim, é utilizada nos atrasos de desenvolvimento psicomotor global, nas dificuldades motoras tais como: hipertonias, hipotonias, déficit de equilíbrio, entre outros, nas deficiências auditivas e visuais e nas seqüelas de acidentes vasculares cerebrais.
Um pequeno aparte sobre a dinâmica de uma sessão de Equoterapia. Quando o praticante chega para uma sessão, ele não vem para ser tratado pela fonoaudióloga ou pela fisioterapeuta. Ele vem para andar a cavalo. Assim, toda a terapia é feita, na medida do possível, de forma lúdica e os objetivos são trabalhados sem que o praticante se aperceba ou se incomode. Colocando o assunto dessa forma, parece ser a Equoterapia, uma prática milagrosa que serve para tudo, mas não é bem assim. Há também contra-indicações e elas devem ser cuidadosamente vistas e apontadas pela equipe.
Como exemplo, podemos citar pessoas portadoras de espinha bífida, com transtorno bipolar ou que não conseguem, de forma alguma, aceitar o cavalo. Embora se trabalhe em cima das potencialidades do indivíduo, não se pode deixar de levar em consideração as limitações de cada um. Porém, independentemente da razão que levou o praticante a buscar a Equoterapia, o que se procura é fazer com que as capacidades sejam descobertas ou exploradas. Para isso, novas experiências e situações são apresentadas, a fim de haver uma melhora global do indivíduo.
Para o Dr. Hulbert Lallery (1988), a Equoterapia também tem um impacto sobre a parte psicológica do praticante, no que tange, principalmente, à questão da formação de vínculo e à percepção de um mundo externo. O cavalo torna-se a ligação entre o cavaleiro (muitas vezes criança) e o terapeuta (adulto). "Aquilo que a criança não pôde viver na sua pequena infância, no contato com o cavalo irá aprender, integrar-se e utilizar na sua estruturação, na sua evolução psicossomática, levando à sua autonomia, à sua independência, objetivo de todos os terapeutas em relação a seus pacientes". LALLERY, 1988.
Mas como todas essas aquisições ocorrem de fato? Neste momento, faz-se necessária uma breve explicação sobre o que é o Conexionismo. Para o Conexionismo o conhecimento é algo estabelecido através de conexões (sinapses) realizadas entre os neurônios. As informações chegam ao cérebro de forma "pulverizada" (em várias regiões ao mesmo tempo) através de vias de input e essas informações (com o processamento de distribuição em paralelo) "marcam" redes neuroniais. As "marcas" são feitas pelas sinapses através de estímulos como desafios, novas situações, adaptações, etc. Neurônios estimulados e utilizados, "fixam-se como instrumento do pensamento durante um período crítico" (CIELO, 1998) e, com isso, fazem novas conexões para que outras informações sejam armazenadas.
As conexões formadas podem levar a uma mudança na arquitetura cerebral o que causa uma série de novos ajustes, dando-se, assim, o desenvolvimento do cérebro. Cabe salientar que isso acontece com maior intensidade nos primeiros anos de vida, diminuindo sua ocorrência com o passar dos anos, embora nunca cesse. Os neurônios aumentam ou diminuem sua atividade, de acordo com a excitação ou inibição de impulsos elétricos com outros neurônios a eles conectados. "Esses padrões de atividade elétrica nas sinapses, parecem ser o código cerebral utilizado para armazenar o conhecimento" (CIELO, 1998).
O resgate das informações parece se dar através da ativação das redes previamente "marcadas" por uma determinada informação. O acesso à informação com uma certa rapidez, dependerá do tempo em que os neurônios foram expostos a ela e do tempo de atividade elétrica sináptica. Assim, cremos que, conforme o tipo de informação recebida por um neurônio, ele se "especializará" naquele tipo de informação, produzindo um determinado neurotransmissor, o qual, vai reagir de determinada forma para aquele estímulo.
Desta forma, o cérebro se molda de acordo com o padrão formado pelas redes de neurônios e é capaz de juntar, sempre que necessário, os fragmentos de informações em uma imagem mental, a qual, podemos identificar. Todas essas informações armazenadas no nosso cérebro são o que Damásio (1998) chama de Representações Dispositivas, ou seja, "(...) o nosso depósito integral de saber (...)". Para que possamos adquirir novos conhecimentos, esse autor nos fala que existem representações dispositivas, não apenas nos córtices de alto nível, mas, também, nos núcleos de massa cinzenta localizadas abaixo do nível do córtex.
Algumas dessas representações dispositivas possuem informações a respeito da realização de movimentos, raciocínio, planejamentos e criatividade. Assim, fazem-se necessárias mudanças dessas representações dispositivas para a falada aquisição de novos conhecimentos e adaptações. A partir daí, podemos fazer a ligação com a Equoterapia, no momento em que as adaptações fazem parte desta terapia, pois, os circuitos cerebrais "(...) não são apenas receptivos aos resultados da primeira experiência, mas repetidamente flexíveis e suscetíveis de serem modificados por experiências contínuas.
Alguns circuitos são remodelados vezes sem conta ao longo do tempo de vida do indivíduo, de acordo com as alterações que o organismo sofre. Outros permanecem predominantemente estáveis e formam a "coluna vertebral" das noções que construímos sobre o mundo interior e exterior". (DAMÁSIO, 1998) Assim, poderemos ter, na Equoterapia, uma criança com dificuldade de equilíbrio. Durante a sessão, existe a necessidade de manter-se equilibrado sobre o dorso do cavalo. A necessidade de equilíbrio também aparece quando precisamos transferir o peso de uma perna para a outra, para andarmos.
As conexões feitas para haver equilíbrio são, provavelmente, as mesmas, porém, se modificam de acordo com a necessidade do momento. Isso se dá por acreditar-se que a marcação das redes ocorre em função da estimulação constante, a qual, quando ativada, forma um padrão de ativação elétrica correspondente àquela informação solicitada. Por termos todas as informações necessárias ao nosso dia-a-dia, armazenadas em nossos neurônios, podemos fazer uso delas nos momentos, em que situações semelhantes àquelas que já vivemos apareçam. Enquanto se está montado a cavalo, o cérebro está em constante atividade para que os ajustes posturais, motores, respiratórios, etc. sejam feitos.
Isso coloca o praticante em alerta (salvo casos específicos) e sua atenção trabalha a nosso favor, permitindo que sejam feitas as estimulações necessárias. No caso da terapia fonoaudiológica, a qual nos interessa nesse momento, procura-se propor situações, em que a comunicação exista ou se estabeleça. Aproveitando nosso instrumento de trabalho (o cavalo) e o setting terapêutico diferenciado, que agem como "catalisadores" da terapia, podemos trabalhar desde o aumento de vocabulário até, em casos mais graves, um gesto com intenção comunicativa, fazendo uso de uma esteriotipia de mão, por exemplo. É por estarmos, nesse momento, com os neurônios em intensa atividade sináptica, e com os sinais de input e output ocorrendo a todo momento, que as informações às quais o praticante está exposto, fixam-se nas redes com maior facilidade.
A constância a essa exposição, como já foi dito, também é importante. Em função disso, é que se trabalha um mesmo tipo de informação durante algumas sessões, embora isto não seja uma regra. Porém, como em outras terapias, precisamos estar muito atentos ao estado emocional do nosso praticante, além do seu nível de tolerância e de fatigabilidade quanto aos exercícios, a fim de não prejudicarmos a evolução do tratamento. Concluindo, com uma exposição constante às informações, em um ambiente adequado, a atividade sináptica provavelmente será potencializada, havendo um maior desenvolvimento global do indivíduo. Por ser a Equoterapia uma forma de atingir esse desenvolvimento, em função da grande estimulação neuronial provavelmente realizada, é que se pode obter bons resultados com sua aplicação.
Por:Lenora Canini Avila Fonte